Com o objetivo de conter a explosão de novos registros de armas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), um dos primeiros atos do presidente Lula ao assumir a presidência da República, neste último domingo (1), foi revogar o decreto editado por Bolsonaro (PL) que facilitava o acesso a esse material. A partir daí, será realizado um grande recenseamento para que se tenha noção número de armas em circulação no país, um controle que havia sido perdido no governo anterior.
Com a medida, entre as principais mudanças, está a suspensão de novos registros para CACs e a redução do número de armas que um cidadão brasileiro pode ter, que passou de seis para três. Já no caso dos CACs, o total de armas permitidas passa de 30 para 15 e armas de uso restrito ficam proibidas entre civis
“É uma excelente sinalização em vias de registro e controle das armas. Nesse primeiro momento ele suspende temporariamente. Conforme foi observado pela equipe de transição, o próprio Exército e Forças Armadas acabaram confessando que eles não têm controle nenhum sobre o número de armas que foram adquiridos pelos CACs nesses últimos anos. Então, o que seria uma atribuição das Forças Armadas, de fato, não aconteceu. Por isso a necessidade em um primeiro momento da suspensão e depois, na sequência, desse acompanhamento, tanto da questão do registro do porte de armas, como também da munição. O governo Bolsonaro também fragilizou o controle das munições e esse é um problema sério porque a gente sabe que o tráfico de armas, juntamente com o tráfico de pessoas e de drogas, são os três através dos quais circulam dinheiro ilegal”, esclarece Oswaldo Negrão, pesquisador do Observatório da Violência (Obvio) da Universidade federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Outra mudança é a suspensão de novos registros de clubes e escolas de tiro e a concessão de novos registros para CACs. Além disso, foi criado um grupo de trabalho para criar uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento, que é do ano de 2003, e que deve apresentar um novo texto num prazo de 60 dias.
Com a revogação, publicada no Diário Oficial da União desta segunda (2), o controle de registros de armas por CACs passa a ser feito, também, pela Polícia Federal. Anteriormente, essa atribuição era restrita ao Exército.
“É importante ressaltar que esse é um primeiro passo apenas. É fundamental lembrar, como o próprio ministro [Flávio Dino, ministro da Justiça] destacou, a importância da cultura da paz. Nesse sentido, as pessoas precisam ser convencidas de que a segurança pública é função social do estado e cabe aos três entes federados – municípios, estados e a União – esse propósito, para que a gente tenha na cultura da paz, e não da violência, uma perspectiva do cuidado e respeito ao outro. Precisamos desconstruir essa mentalidade da cultura armamentista que traz um pressuposto de que as pessoas que estão armadas são potencialmente mais seguras. Na prática, o que a gente observa é um número crescente de crianças morrendo em acidentes domésticos envolvendo arma de fogo e pequenas discussões, atritos e animosidades que poderiam ser resolvidas, mas acabam tendo um final trágico, justamente, porque havia a presença de uma arma de fogo. Além disso, é importante lembrarmos da violência doméstica. No caso da violência contra a mulher, a maioria dos homens acaba utilizando-se da arma de fogo para assassinar suas parceiras ou ex-companheiras”, destaca Oswaldo Negrão.
Com a mudança, a estimativa é de que a circulação de armas de fogo passe a diminuir nos próximos anos e, com isso, o cálculo é de que também seja reduzido o número de armas legalizadas que vão parar nas mãos do tráfico de drogas e do crime organizado.
A cultura da arma tem muitas nuances. O decreto breca, num primeiro momento, esse crescimento acelerado das armas no país, mas um espectro muito maior precisa ser observado, a médio e longo prazo, para que de fato a gente tenha um controle efetivo dessas armas e que aquelas de grosso calibre deixem de circular entre a população civil. Não faz sentido algum alguém justificar o uso de um fuzil, snipper ou submetralhadora para defesa pessoal. Isso é inconcebível, todos os estudiosos da área concordam que isso é reprovado. Não tem legislação nem estudos de outros países que comprovem que esse tipo de armamento possa contribuir de alguma forma para a cultura da paz ou redução de violências, muito pelo contrário. A gente sabe que grupos armados que promovem assaltos e ataques à sociedade civil acabam se municiando dessas pessoas que são participantes dos CACs”, lembra o pesquisador do Obvio.
No Rio Grande do Norte, o registro de armas de fogo mais que dobrou entre 2017 e 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. Enquanto em 2017 foram registradas 8.903 armas no RN, em 2021 esse número saltou para 19.282. No Brasil, o registro de armas ativo de CACs passou de 117.467 em 2018 para 673.818 em 2022. A estimativa é de que haja mais de um milhão de armas nas mãos de integrantes do grupo.
Potiguares vítimas de violência
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que cerca de 56 mil potiguares tiveram algum bem roubado mediante grave ameaça ou violência em 2021. Isso representa 1,97% da população com mais de 15 anos no Rio Grande do Norte.
Os dados mostram ainda que 64% dos domicílios pesquisados no RN tinham, pelo menos, uma medida de segurança adotada, entre elas: trava, tranca, fechadura ou grade (40,6%), muro ou grades altos, cacos de vidro ou arame farpado (32,3%), cachorro ou outro animal para proteger o domicílio (23,8%), cerca elétrica (12,9%), alarme ou câmera de vídeo (11%), funcionário contratado para vigilância (10,2%), arma de fogo (1,7%).
O estudo, que apresenta números de furtos e roubos e analisa aspectos como a sensação de segurança percebida pela população, faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e foi realizado em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública.