Representantes do Ministério da Saúde, estados e municípios aprovaram nessa quinta-feira (31) mudanças no modelo de financiamento da atenção primária à saúde, área que abrange o atendimento pelas equipes de saúde da família e em unidades básicas de saúde.
A mudança ocorre após 21 anos. A proposta, conforme a Folha de S.Paulo noticiou em julho, prevê que o repasse de recursos do governo federal leve em conta o número de pacientes cadastrados nas unidades de saúde e o desempenho delas a partir de indicadores como qualidade do pré-natal e controle de diabetes, hipertensão, infecções sexualmente transmissíveis.
A vulnerabilidade socioeconômica dos pacientes (como o total de pacientes que recebem benefícios como o Bolsa Família), a presença maior de crianças e idosos na região e a distância dos municípios dos grandes centros urbanos também serão ponderados nesse novo modelo.
A ideia é que, com base nesses critérios, sejam aplicados pesos extras ao valor repassado por paciente. Um município rural ou remoto, assim, deve receber duas vezes mais por paciente cadastrado do que um município em área urbana.
Já aqueles que têm pacientes em situação de vulnerabilidade socioeconômica receberão 30% a mais nestes casos.
O novo modelo passa a valer a partir do próximo ano, com regras de transição. Nos primeiros meses, o valor deve ser repassado de acordo com a população. Em seguida, pelo volume de pacientes cadastrados.
Já os indicadores de desempenho devem ser ampliados a cada ano, até atingir 21 em 2022.
O secretário de atenção primária em saúde, Erno Harzheim, afirma que a proposta foi elaborada em conjunto com estados e municípios.
Segundo ele, a previsão é que a medida aumente o volume de recursos de atenção básica repassado à maioria das cidades. O total de aumento previsto é de R$ 2,6 bilhões. O valor virá de recursos hoje disponíveis, mas não utilizados.
Outros municípios, porém, podem ter o volume de recursos reduzido. A perda é estimada no valor de R$ 290 milhões. Para compensar a perda, o ministério diz que, em 2020, esses municípios ainda receberão de acordo com o modelo anterior.
A mudança tem sido alvo de polêmica. Um grupo de nove entidades na saúde enviou uma carta nesta quarta-feira (30) ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em que alerta sobre riscos da proposta.
O texto é assinado pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e Abres (Associação Brasileira de Economia da Saúde), entre outras entidades. O grupo reclama da falta de apresentação de uma proposta prévia pelo Ministério da Saúde a conselhos sociais.
“Sendo a atenção primária em saúde a matriz central do SUS, qualquer alteração no seu financiamento, em especial quando pode ameaçar sua sustentabilidade, causa preocupação e deve ter ampla discussão social”, informa o documento.
O grupo diz ainda que a proposta fere o princípio da universalização do SUS ao centrar o modelo de repasses apenas pelo número de pacientes cadastrados, e não pelo total da população que pode ser atendida.
Também diz ver risco de prejuízo a alguns municípios, além de interferências políticas caso não houver critérios claros para avaliação dos indicadores que determinarão os repasses.
“Em tese, a nova política de financiamento da atenção primária será executada em 2020, ano de eleições municipais. De modo que, se o critério de repasse dos recursos aos gestores da saúde não for objetivo, transparente e impessoal, poderá haver riscos de cooptação política”, informa.
“É o desmonte da concepção de acesso universal do SUS”, diz Francisco Funcia, especialista na área de economia da saúde, para quem o envio de recursos apenas por pacientes cadastrados fere a Constituição.
Já o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, diz que a medida corrige distorções e deverá medir a real cobertura na atenção básica.
“Você não pode ter 43 mil equipes de saúde da família e só ter 90 milhões de pessoas cadastradas”, disse. Para ele, a medida deverá estimular as unidades a cadastrarem os pacientes.
Hoje, o repasse de recursos é feito por meio de dois pisos de atenção básica, um fixo e um variável. O primeiro é um valor (de R$ 23 a R$ 28 por ano) que oscila de acordo com a população do município estimada pelo IBGE.
Já o segundo leva em conta o número de equipes de saúde da família que o município tem, e repassa a cada uma entre R$ 7.100 e R$ 10.600, valor que varia conforme o tipo de equipe.
Nenhum dos dois pisos leva em conta cadastro de pacientes, situação econômica e desempenho -daí a proposta de mudanças, informa a pasta.
A proposta tem o apoio do Conasems, conselho que representa secretários municipais de saúde, para quem a medida prevê repasse maior a locais com maior necessidade.
“Não estamos mudando a política, mas uma portaria de financiamento”, diz Mauro Junqueira, que é secretário-executivo do órgão. Segundo ele, a proposta deve ser reavaliada a cada quatro meses.
Para Mandetta, a mudança deve fazer com que unidades de saúde, ao receberem maior remuneração por indicadores de doenças, busquem melhoria no desempenho por meio do que chama de “competição saudável”.
Após a atenção básica, a pasta deverá fazer ajustes também no modelo de atenção especializada no próximo ano, afirma.