Superfaturamento poderia virar creches, hospitais, escolas foram para o bolso de políticos e executivos e empreteiros corruptos.
A bronca com que o procurador Sergio Bruno Cabral Fernandes, do grupo de trabalho da PGR (Procuradoria-Geral da República), calou o proprietário do Grupo Odebrecht, Emílio Odebrecht, durante delação premiada serviu de exemplo para os suspeitos, investigados e condenados na Lava Jato ‘caírem na real’ e entenderem o mal que fazem ao brasileiro.
Irritado com o bom-humor do dono da Odebrecht durante depoimento, o promotor do MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) disparou: “Vamos agora deixar de historinha, de conto de fadas, e falar as coisas como elas são. Tá na hora de a gente dizer a verdade sobre como a coisa suja é feita”.
— São R$ 300 milhões que foram gastos sei lá com o que, ainda que fosse com santinho, com tempo de televisão, com marqueteiro, que poderia ter construído escola, hospital e todo esse Brasil que o senhor sonha e quer ver.
O objetivo da “chamada” do promotor era um só: mostrar a gravidade do caso e “ensinar” ao empresário o que poderia ter sido feito com os R$ 10 bilhões que o departamento de propinas da Odebrecht repassou de forma ilícita, sob a forma de propina ou caixa dois de campanha, a agentes públicos e políticos, de acordo com as delações premiadas.
Trata-se de dinheiro público porque foi pago pelo governo com grana arrecadada via impostos ou contribuições dos brasileiros. O economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, explica ser necessário “conscientizar a sociedade porque, às vezes, o cidadão não sente isso na pele. Ele fica indignado, mas não tem total dimensão da corrupção”.
— Nesse caso por exemplo, só com esses R$ 10,6 bilhões da Odebrecht, eles nos roubaram 5.300 unidades de pronto-atendimento de saúde. Foi isso o que eles roubaram. A sociedade não tem essa visão clara. Não roubaram um relógio, não roubaram um som de carro, foram 5.400 creches.
O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, lista os prejuízos da corrupção, a começar pela isenção fiscal, “com impostos não arrecadados pelo governo, que poderiam ser empregados na saúde, educação, segurança pública ou mesmo para que o ajuste o fiscal fosse menos severo”.
Além disso, Galdino explica que, “como os contratos são superfaturados, os custos dos produtos e serviços ficam mais caros”. O efeito nocivo disso na economia brasileira pode ser medido pelo desemprego, que já atinge 13 milhões de pessoas no País.
— O combustível, por exemplo, poderia gerar mais lucro para a Petrobras ou ser mais barato se não tivesse a corrupção. Sem falar que gera ineficiência para a economia à medida em que você não está contratando a empresa mais eficiente. Está favorecendo quem é mais corrupto. Não está recompensando o mérito, está fazendo uma concorrência desleal. Um trabalhador de outra empresa pode perder o emprego porque a Odebrecht ou qualquer outra empresa corrupta, por exemplo, ganhou um contrato por corrupção.
Castello Branco diz que o brasileiro “tem que entender que esse dinheiro é dele, que esse dinheiro não é da Odebrecht, não cai do céu, não nasce”.
— A empresa não está fazendo uma generosidade para com os políticos, porque conseguiu esse dinheiro superfaturando obras que nós pagamos.
Como afeta seu bolso?
As empreiteiras investigadas na Lava Jato, em especial a Odebrecht, que já admitiu suas práticas ilícitas, combinavam entre si os vencedores de licitações de obras públicas e, sem seguida, superfaturavam os valores a fim de ganhar muito mais dinheiro do que o custo real do empreendimento.
Castello Branco chama de “gordura” esse dinheiro extra que a empreiteira conseguiu com o superfaturamento das obras.
— Esse dinheiro não está na conta, na agência bancária, esse dinheiro não é da Odebrecht. Esse dinheiro surgiu como? A Odebrecht superfaturou, como ela própria falou nos vídeos, as obras. As obras teriam determinado valor, mas a Odebrecht combinou com o cartel e colocou um valor muito maior do que o real. Com essa gordura, ela distribui na forma de propina a políticos e autoridades públicas.
Como afeta a sua vida?
O diretor-executivo da Transparência Brasil destaca ainda os impactos da corrupção no desenvolvimento social do País e coloca em xeque as reformas da Previdência, trabalhista e política em tramitação no Congresso Nacional.
— Os políticos deveriam representar a população e fazer políticas públicas voltadas para o bem comum, o melhor para a sociedade. Aí eles vão fazer políticas públicas que beneficiam grupos específicos em detrimento de toda a sociedade. Como a gente pode confiar que qualquer reforma dessas — a da Previdência ou a trabalhista por exemplo — servem aos interesses da sociedade e não de grupos que estão corrompendo os políticos?
Odebrecht compromissada
A empreiteira Odebrecht informou, em nota, que a decisão de colaborar com as investigações da Lava Jato foi tomada em março de 2016 por meio de comunicado público. Na ocasião, informou que gostaria de contribuir “por uma colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato”.
A empresa reafirma o que estava no comunicado de um ano atrás agora: “Esperamos que os esclarecimentos da colaboração contribuam significativamente com a Justiça brasileira e com a construção de um Brasil melhor”.
A nota diz ainda que a empreiteira “reconheceu seus erros, pediu desculpas públicas e assinou um Acordo de Leniência com as autoridades brasileiras e da Suíça, e também com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Esse acordo impôs rigorosas multas e sanções para que a empresa continue em atividade”.
Após iniciar a colaboração premiada, a Odebrecht informou que adotou “um novo modelo de governança e está implantando normas rígidas de combate à corrupção, com vigilância permanente para que todas as suas ações, principalmente na relação com agentes públicos, ocorram sempre dentro da ética, da integridade e da transparência”.