Há duas semanas, Luísa Cipriana dos Santos, de 57 anos, vem sofrendo os efeitos mais críticos da diabetes e corre o risco de amputar a segunda perna por causa da doença, enquanto aguarda atendimento em uma fila que não tem perspectiva de acabar. Ao todo, incluindo Luísa, 147 pacientes estão na espera por um procedimento vascular na rede pública do Estado. A unidade referência, o Hospital Central Coronel Pedro Germano (Hospital da PM), está operando com sua capacidade máxima, que gira em torno de 25 a 30 leitos vasculares.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap), a fila de 147 pessoas corresponde a nove demandas judiciais e outras 138 pessoas da fila regular (71 homens e 67 mulheres). Além da unidade referência com capacidade para cirurgias e internações, o Estado também faz intervenções no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). A rede estadual conta ainda com 30 leitos de retaguarda no Hospital Geral Dr. João Machado para os pacientes que passaram por algum procedimento e necessitam de cuidados pós-operatórios.
Uma das pacientes na fila do Hospital da Polícia Militar é Luísa dos Santos, moradora de Santa Cruz, cidade localizada na Borborema potiguar, a 119 quilômetros de Natal. Com boa parte do pé esquerdo em estado de necrose por causa de uma infecção – popularmente conhecida como pé diabético – ela foi encaminhada ao Hospital da PM no último dia 12, mas esbarrou na longa fila de espera e voltou para casa, em Santa Cruz.
O problema deu sinais de gravidade há três meses, com o surgimento de uma pequena ferida no pé, diz José Leonilson, esposo de Luísa. “A gente já sabia porque há quatro anos ela já tinha amputado uma perna. Fomos no hospital regional daqui, ela ficou internada, os médicos olharam e disseram que ela estava no sistema para ser transferida para o hospital da polícia. Só que depois de dez dias, ela teve alta e nós voltamos para casa”, lembra Leonilson.
Já em casa, a situação piorou quando os dedos do pé começaram a escurecer, diz Leonilson. O casal procurou ajuda em um posto de saúde e um médico atendeu Luísa em casa. “Ele veio aqui justamente porque ela tem muita dificuldade de se locomover. Os dedos do pé dela já estão pretos. Ele disse que os tecidos já estavam bem comprometidos e que era caso de amputação e nos transferiu para o Hospital da PM. Tivemos que fretar uma lotação e levar ela para Natal. Chegando lá, o cirurgião disse que era mesmo caso de amputação, mas que não tinha vaga e mandou a gente para casa”, relata.
Luísa retornou para Santa Cruz, onde ficou sob os cuidados de Leonilson, que precisou deixar o trabalho de cozinheiro para se dedicar a esposa. No sábado (23), Luísa voltou a ser internada no Hospital Regional de Santa Cruz, onde permanece até hoje, mas ainda sem resposta de quando fará a cirurgia no Hospital da PM. “A gente continua na espera e vou ver se a gente entra na Justiça. Ela sente dores 24 horas por dia, não dorme direito, não come direito. É um sofrimento grande e o medo é que a gente tenha que amputar a perna toda porque a necrose é muito rápida”, acrescenta Leonilson.
Como medida para tentar amenizar a espera dos pacientes, o titular da Sesap Cipriano Maia diz que o Estado está em processo de estruturação de uma rede de atenção ao paciente vascular em todas as regiões, a começar pela 2º, no Oeste do RN. A estimativa é de que nos próximos 30 dias, uma ala vascular seja aberta no Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM), em Mossoró, com “escala de cirurgião vascular para atender as emergências”, segundo Cipriano.
A secretária adjunta da Sesap Lyane Ramalho acrescenta que a ideia é atender toda a região Oeste do Estado e, desta forma, dar vazão à fila do Hospital da PM. “Efetivamente teremos a abertura da escala 24 horas de cirurgias vasculares, de forma que a gente vai fazer com que a demanda da região Oeste fique na região Oeste. Virão para cá [Natal], somente os casos que a gente não consiga, dentro da complexidade, resolver lá. No máximo, em 30 dias, ela estará funcionando”, afirma a gestora.
Maia diz ainda que a oferta para atendimento vascular deverá ser ampliada nos próximos seis meses. “Vamos avançar para ampliar as cirurgias na área vascular. Inclusive, a gente começou isso no Santa Catarina, mas depois teve uma descontinuidade, e ampliamos também a capacidade de diagnóstico. O HUOL [Hospital Universitário Onofre Lopes] está dando uma resposta bem melhor. Temos esse plano delineado para qualificar os profissionais da primária para melhorar a atenção, inclusive com o exame do pé”, comenta o secretário.
A carência na atenção primária nos municípios e a falta de prevenção da população são as principais justificativas para alta demanda de atendimentos vasculares, diz a coronel Ana Helena Garcia, diretora do Hospital da PM. “A assistência primária do paciente, do controle do diabetes, da pressão alta, do controle sistêmico, isso tem que acontecer lá atrás para que isso que está acontecendo aqui agora não aconteça mais”, comenta.
Fechamento do Ruy Pereira
Há pouco mais de um ano, em março de 2021, o Governo do Rio Grande do Norte desocupou o prédio onde funcionava o Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos, até então a referência vascular, que funcionava no bairro de Petrópolis, em Natal. Mesmo com o fechamento, não houve prejuízo nos atendimentos, garante a Sesap. Todos os pacientes foram transferidos para o Hospital da Polícia e para o João Machado. “Pelo contrário, tivemos uma melhoria na assistência e os números comprovam isso”, diz Cipriano Maia.
De acordo com a pasta, a média mensal de consultas no Ruy Pereira era de 150, número que subiu para 250 atualmente. Em relação aos procedimentos cirúrgicos, a Sesap também diz que houve melhora nos índices. Hoje, o Hospital da PM faz entre 120 a 160 procedimentos, enquanto que no antigo Ruy Pereira essa taxa oscilava entre 120 a 130 cirurgias. “Esse é um discurso político e eleitoreiro [de que fechamento do Ruy Pereira trouxe prejuízos para a saúde] porque a capacidade que a gente tinha no Ruy melhorou no Hospital da Polícia”, afirma o gestor.
“Um fator apontado como favorável à melhoria assistencial é a capacidade instalada, em especial a de apoio ao diagnóstico. O Hospital da PM dispõe de tomografia, ultrassonografia, ecocardiograma, entre outros exames importantes para o diagnóstico e tratamento, o que pôs fim ao deslocamento de pacientes para realização de exames em outros locais”, diz a Sesap.
A tenente-coronel Edilma Fernandes, que atua no Hospital da Polícia Militar, endossa a melhoria. “É importante registrar que o hospital deu um suporte muito superior ao que vinha acontecendo no Ruy. A quantidade de cirurgias realizadas, quando o Ruy veio para cá, foi avaliado um ano porque a gente tem esse contrato, e o hospital foi aplaudido pela agilidade. Por mais que não aparente ser porque hoje temos essa fila, mas vai aparecer mais e sempre vai crescer por isso”, complementa Fernandes.
A diretora do Hospital da PM, coronel Ana Helena Garcia, afirma ainda que o próprio perfil dos doentes vasculares influenciam na demora para os atendimentos, uma vez que os pacientes costumam ficar internados por duas semanas. O tempo de internação é também um dos motivos para impossibilidade de traçar uma previsão de zerar a fila, diz Garcia. “Não existe um cálculo matemático para isso porque cada paciente tem a sua particularidade. A gente tem essa média de 14 dias, mas um paciente pode sair antes disso ou demorar muito mais que isso. Por isso a importância dos leitos de retaguarda no João Machado”, detalha.
A unidade do Ruy Pereira foi desativada após a Vigilância Sanitária apresentar laudo que apontava a necessidade de interdição do prédio devido ao risco para a coletividade, já que a estrutura do prédio estava defasada e sem condições de se adequar às normas técnicas atuais de engenharia e arquitetura. A entrega oficial do imóvel, que custava R$ 200 mil por mês, aconteceu em 2 de março do ano passado, após reunião entre representantes das partes do contrato na Procuradoria Geral do Estado (PGE-RN).