Futebol e política sempre caminharam juntos e, felizmente, isso está cada vez mais evidente. O esporte mais popular do planeta tem uma responsabilidade social enorme e as últimas manifestações em apoio aos direitos LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual e +) no Brasil e no mundo ganham especial relevância pois levam o debate a um ambiente historicamente machista. A despeito das belíssimas cenas vistas na Eurocopa e também no Brasileirão, houve, claro, reações negativas e preconceituosas, deixando claro que se trata apenas do começo de uma batalha, um pontapé inicial – que não pode se transformar em mera ação de marketing.
O debate sobre símbolos contra a homofobia neste mês começou na Eurocopa, quando o ídolo alemão Manuel Neuer entrou em campo com a faixa de capitão nas cores do arco-íris. Na contramão da liberdade individual, a Uefa abriu investigação devido ao posicionamento do goleiro. Acabou o inocentando e liberando o item, mas logo em seguida deu uma grande bola fora, no duelo entre Alemanha e Hungria.
O país do leste europeu é governado pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, que segue cartilha extremista de direita, e, recentemente, aprovou lei contra a homossexualidade no seu país. Além disso, durante os jogos realizados em Budapeste, muitos torcedores realizaram manifestações homofóbicas e racistas. Sobre esses casos, a Uefa se manteve em silêncio.
No duelo entre as equipes, então, a Federação Alemã anunciou seu plano de colorir com o arco-íris a Allianz Arena, em Munique. Novamente, a Uefa se posicionou contra, alegando que este seria um “gesto político”, uma provocação ao governo de Orban, que virou aliado da Uefa ao encher seu estádio na competição que por pouco não foi cancelada.
A postura da Uefa gerou importantes reações de clubes e atletas. Antes do apito inicial do jogo, durante o hino húngaro, um torcedor invadiu o campo com uma bandeira LGBTQIAP+ e a abriu em frente à seleção húngara. No confronto, após marcar para a seleção alemã, o meio-campista Leon Goretzka fez um sinal de “coração” em direção á torcida húngara. Como bem mostrou a página Copa Além da Copa, o jogador do Bayern de Munique é uma rara e relevante voz progressista no futebol – e que, por isso, já foi vítima de ataques.
Além do velho continente, times do Brasil planejaram ações de marketing em homenagem ao mês do orgulho LGBTQIAP+. Na rodada do fim de semana, o Vasco entrou em campo com uma camiseta especial em apoio ao movimento. Após marcar diante do Brusque, pela Série B, o atacante argentino Germán Cano levantou a bandeira de escanteio, que estava com o arco-íris da causa. Também no Rio de Janeiro, o Flamengo e o Fluminense jogaram com a numeração colorida.
Contudo, como o futebol é reflexo da sociedade e a homofobia segue bastante presente, manifestações contrárias não demoraram a ocorrer. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, ironizou, de maneira homofóbica, apenas a ação do Tricolor de Laranjeiras. “Já sabemos que o Fluminense é o time de todXs”, escreveu, repetindo uma antiga e estúpida piada que relaciona os torcedores do Fluminense a homossexuais. “Se te incomodou, é porque estamos no caminho certo”, responderam diversos internautas. Leandro Castán, capitão do Vasco, e Samuel Xavier, do Fluminense, também causaram controvérsia ao postar textos com mensagens bílicas exaltando a fertilidade e as relações entre homem e mulher, o que foi considerado por muitos uma afronta às ações de seus próprios clubes.
O futebol é um ambiente homofóbico. Reflexo disso é a quase inexistência de homossexuais assumidos no futebol masculino, bem diferente do que ocorre na categoria feminina, onde o debate está mais avançado. Entre os homens, quando acontece, dificilmente o atleta tem chances no alto nível, como é o caso do goleiro Messi, do futebol interiorano do Rio Grande do Norte, e de Robbie Rogers, que atuou no Leeds United e no LA Galaxy. Além da falta de oportunidades, os danos psicológicos da homofobia podem terminar em fatalidade, como foi o caso do inglês Justin Fashanu, primeiro jogador de futebol a se assumir gay, que cometeu suicídio em 1998. Há casos de atletas que tiveram suas carreiras prejudicadas sem nem jamais terem falado sobre sua orientação sexual.
Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, a cada 23 horas uma pessoa LGBTQIAP+ morre no Brasil. Além disso, o país é o líder mundial em assassinatos de transexuais. Ações para o fim da homofobia não são tomadas pelo governo federal, que insiste em caminhar no sentido oposto. Há ainda outro problema: o uso destas pautas apenas como perfumaria, só para atenderem a demandas “politicamente corretas”, e não por convicção. Nesta segunda-feira, 28, um post do São Paulo (clube que, assim como Fluminense, costuma ser vítima de homofobia) foi contestado por seus próprios torcedores por ter feito um post praticamente protocolar sobre o tema, diferente de seus rivais. É preciso levar o assunto a sério e combater a homofobia com firmeza.