O Brasil de hoje é um país atípico. Frequentemente surgem fatos novos. O último gesto de bom senso político aconteceu em maio passado, quando em café da manhã no Palácio do Planalto, os presidentes dos três poderes concordaram em elaborar “pacto” para semear a “harmonia” e facilitar o diálogo nacional, essencial às reformas.
Chegou a ser marcado o dia 10 de junho para assinatura do documento, no Palácio do Planalto. De lá para cá, não se falou mais no assunto. Uma lástima!
Ao invés de “pacto”, a nação é sobressaltada diariamente, com anúncios de “catástrofes apocalípticas”, que geram insegurança coletiva.
Até “shut down” (paralização completa da máquina pública) está sendo admitido pelo Ministério da Economia, como forma de pressionar a aprovação de reformas, ao “modo Guedes”.
O maior risco institucional é a propagação de fenômeno conhecido como a “síndrome” dos poderes absolutos, quando certos órgãos e até instituições nacionais se auto proclamam autônomas, sem subordinação ou vínculos aos poderes constitucionais. Se a moda “pega”, em pouco tempo o Brasil será o único país no mundo, em que, ao invés de três, existirão uns cinco ou seis poderes (?).
A consequência natural dessa “síndrome” é tornar rotina as insurreições e intimidações, que desestabilizam o funcionamento da administração pública, com a circulação de propostas “inadmissíveis”, como o fechamento do STF e do Congresso.
Ultimamente, áreas administrativas ameaçaram não cumprir recente liminar concedida pelo STF, sob o pretexto de que significaria o sepultamento da Operação Lava Jato.
Em verdade, a decisão “temporária” (o plenário do STF dará a palavra final) exigiu apenas o cumprimento do artigo 5°, XII, Constituição Federal, que obriga a existência de “ordem judicial” prévia para fornecimento, pela Receita Federal e COAF, de “informações pessoais e detalhadas” do contribuinte.
Em razão da Lava Jato galvanizar simpatias generalizadas na opinião pública é sempre usada a “insinuação” da sua possível extinção, com o objetivo de gerar comoção e revolta entre os desavisados.
Alega-se, que certas decisões contrárias a interesses corporativos têm o objetivo de extinguir a “Operação” e favorecer a corrupção. Verdadeiro trabalho de guerrilha! Sabe-se que é “legalmente” impossível extinguir as investigações e os procedimentos do Ministério Público, por serem definitivos e somente terminarão com as sentenças judiciais transitadas em julgado.
Como já observado por juristas, a “Lava Jato” existe por autorização do poder judiciário, sendo irreversíveis as suas consequências na repressão à corrupção.
De acordo com o princípio da “indisponibilidade”, após o recebimento da denúncia criminal em juízo, as ações tornam-se fato consumado (artigo 42 do Código de Processo Penal). E mais: o artigo 385, do mesmo Código, estabelece que em tais crimes de ação pública, o próprio Juiz, mesmo que o Ministério Público opine pela absolvição, poderá condenar o réu e reconhecer agravantes, até quando nenhuma tenha sido alegada.
O combate à corrupção, portanto, jamais será descontinuado, mesmo na hipótese da “força tarefa” da Lava Jato não ser prorrogada, o que acontecerá um dia.
A Constituição indica os meios permanentes para o combate sistemático aos desvios públicos, através de normas e da presença vigilante do Ministério Público – instituição respeitável e útil à nação -, além da contribuição dos advogados, que pelo artigo 133 são indispensáveis à administração da justiça.
A única ameaça ao andamento dos inquéritos e ações, segundo a mídia, seria a atual “corrida” por aposentadorias no Ministério Público, causada pelo receio de perda de vantagens abolidas na reforma previdenciária.
Nesse quadro de turbulências, nunca será demais lembrar a máxima de Churchill, de que a democracia “pode ter problemas, mas é ainda o melhor sistema de governo”.
Dado tranquilizador foi o resultado de recente pesquisa do “Jota” (site jurídico) e do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, que mostra 78.6% dos brasileiros concordando como a afirmação do ex-primeiro ministro britânico. Amém!
Em tempo: A lei sobre abuso de autoridade, aprovada no Congresso, vem despertando polemicas, protestos e ameaças, com diferentes versões dos seus possíveis efeitos.
A “Folha” em editorial fez uma afirmação, que merece reflexão: “Não custa lembrar que, se o presidente sancioná-la, a aplicação da nova lei dependerá do Ministério Público e do Poder Judiciário- e caberá a seus integrantes ter o bom senso necessário para evitar os perigos apontados pelos críticos”.
Ney Lopes- jornalista, advogado e ex-deputado federal