As ideias importam, as filosofias, articuladas pelos grandes pensadores, abrem trilhas pelas quais a humanidade viaja. A história da nossa civilização foi construída tendo por base a razão e o sentido, moral e divino. Uma comunidade se constrói a partir de seus propósitos, rumo a uma vida significativa. Para isso, Ben Shapiro, em O Lado Certo da História, aponta a necessidade de predisposição coletiva alicerçada em “comunidades sociais ativas que promovam a virtude e um Estado não restritivo o suficiente para dar margem à livre escolha.”
Ao se afastar de seus pilares razão e sentido, na tentativa de se encaixar em movimentos filosóficos e ideológicos que pregam a vida como um caos, sem plano, progresso nem responsabilidades pessoais, a sociedade é levada a uma demagogia política que apresenta seus membros como meras vítimas do sistema que criamos e que para se redimir dele, só com sua destruição. “Em uma era sem propósitos e um universo sem significado claro, esse chamado para politizar tudo e então lutar por isso tem um atrativo indubitável. Isso dá um tipo de sentido à vida”, escreve Douglas Murray, em A Loucura das Massas. Alerta entretanto Murray, que de todas as maneiras que as pessoas podem achar para dar sentido a suas vidas a política é uma das mais infelizes.
Se a sociedade apresenta discordâncias, procurar a verdade é a opção mais favorável, mas se essa discordância é politizada como inseparável de todo sentido pessoal, instila paixões incontroláveis, tornando a busca da verdade impossível. A política, calibrada hoje em hierarquias de opressões e poder, invade cada área das interações humanas, atiçando conflitos desgastantes e intermináveis nas questões de identidade, gênero, raça e justiça social. A crença tácita é de que na corrida pela justiça social, a ação da interseccionalidade, ao quebrar a matriz das hierarquias concorrentes, gerará uma era de paz e fraternidade.
A guerra sem fim, com a política invadindo e penetrando cada recanto dos relacionamentos, interpretando cada ação como ato político, faz o chamado a viver esse jogo como propósito e fim em si mesmo, e antes de ser uma busca por soluções, pode ser um convite ao desentendimento, à divisão e à destruição da sociedade. O frenesi, que se apossou da política, chama todos a interpretarem cada relacionamento humano como derivado de interações políticas. Em A Modernidade em Julgamento, Leszek Kolakowski afirma que “a crença de que a pessoa humana é inteiramente construída pela sociedade é alarmante”. Isso leva à erosão do conceito de responsabilidade pessoal e o lado sinistro dessa questão é a política traspassando toda vida social, intrometendo-se em cada aspecto da vida, fazendo de todos presas de doutrinas, ideologias e instituições totalitárias.
O poder sempre foi desejado e procurado como um bem em si, em um mundo onde tudo se tornou politizado é necessário que se avalie os objetivos políticos em termos não políticos. Os bens básicos vão sempre estar em conflito uns com os outros, segurança e liberdade, liberdade e igualdade, igualdade e direitos pessoais, direitos pessoais e governo da maioria, direito de propriedade e justiça distributiva. O sonho de que, independente do que mostrou a história e o passado, a perfeição da sociedade possa ser obra da engenharia política, coloca a política no ponto de onipotência e como centro da idolatria do tempo moderno. No entanto, acreditar que isso pode correr à revelia dos processos sociais e históricos é uma ilusão mortal.
Leszek no seu ensaio sobre a Idolatria da Política, escreve que em atitudes políticas as pessoas podem recorrer à lei divina, à lei natural, à teoria do contrato social ou ao sentimento de continuidade histórica. Ao se perder essas referências e não se reduzir a política às regras técnicas, podemos cair em contradições imobilizantes ou nos perdermos em permanentes e importunos conflitos, viver tudo como política é destruir “nossa existência em uma devoção irracional e fanática”.