De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto” (Rui Barbosa)
No Japão há um templo que projeta no frontispício as estátuas de três macacos de pedra preciosa, um trio que forma um conjunto inseparável. Os símios usam as duas mãos para cerrar a boca, fechar os olhos e tapar as orelhas. Essas figuras são encontradas hoje como bibelôs em qualquer loja de R 1,99.
É um simbolismo que representa a maneira Zen de fugir à responsabilidade de avaliar, tirar conclusões e julgar o que de real se lhes apresenta. “Não ouça, não veja e não fale. Não sei se os deuses e seus profetas interpretam assim. Creio que não, porque todas as religiões do mundo falam de um julgamento divino nas acepções jurídica, psicológica e religiosa.
Está escrito em Sânscrito e nos chegou através do latim, o verbo Julgar, duplicado em transitivo direto e intransitivo; o “judicare” (julgar) é formado por Jus, “lei, direito”, mais Dicere, “dizer, falar”, significando tomar decisão, deliberar na qualidade de juiz, ou formar conceito, emitir parecer, opinião sobre alguém ou algo.
A nossa cultura ocidental miscigenada com o judaísmo e sacramentada pelo cristianismo expõe como ideal de Justiça os julgamentos conforme o Rei Salomão, que se encontra no primeiro livro dos Reis 3,16-28 este exemplo de isenção e sabedoria.
Todo mundo ouviu um dia a história de Salomão julgando a causa de duas mulheres, que haviam parido ao mesmo tempo e o filho de uma delas foi natimorto. Restando apenas um bebé, ambas reivindicaram a maternidade dele.
Resolvendo a questão Salomão decidiu cortar a criança ao meio e que cada mulher ficasse com uma parte. Uma delas disse: – Ah, meu senhor! Dês o menino vivo, não o mateis. A outra, porém, disse: Já que não será meu, nem teu; dividi-o.
O sábio juiz distinguiu que a verdadeira mãe era aquela que impediu a morte do filho e deu-lhe a posse, enquanto condenou à morte a falsária.
A degenerescência dos costumes herdadas do totalitarismo desumano e a concepção maniqueísta criada pela guerra fria, incentivou o egoísmo, a disputa desregrada pelo poder político e a corrida insana pelo dinheiro. Isto feriu as tradições de respeito humano, subvertendo os conceitos de moral e ética.
Esta revolução nos costumes do século XX envolveu arbitrariamente a todo mundo, e no Brasil, tornou-se inseparável da ganância política e do favoritismo jurídico. Os políticos – em sua maioria – tornaram-se desonestos; e os magistrados – pelos desonestos nomeados – fugiram à responsabilidade de julgar.
Uma ideologia desmembrada de princípios, mesmo aleijada expõe a Justiça a uma tortura diária. Neste momento em que escrevo, milhares de crimes são cometidos; a violência contra a mulher e a criança, o tráfico de drogas, a formação de quadrilhas, o roubo e o assassinato fazem parte do nosso cotidiano.
O culto da justiça como o alicerce fundamental da República e da Democracia está sendo trocado pela paixão partidária, subserviência, interpretação restritiva e prevaricação jurídica, por culpa de alguns juízes
Por defender os poderosos, a Justiça está moribunda. Sua túnica pregueada e os olhos vendados são a própria mortalha, sem a espada e a balança; assim será enterrada em vala comum como indigente e dispensável, sem choro, nem vela…
Esta situação faz-me lembrar Rui Barbosa. Os magistrados envolvidos em tramoias não escaparão ao ferrete de Pilatos: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde! ”
Por Miranda Sá – Jornalista e Escritor