O Brasil mergulha na direção de níveis africanos. Isso não é derrotismo. É realismo
Desde a sessão de promulgação da Assembleia Constituinte, marcada por brincadeiras, despedidas emocionadas e pelo impressionante discurso de Ulysses Guimarães, até o dia de hoje se passaram 33 anos. Neste período, a democracia brasileira, jovem e frágil, assistiu de tudo.
Dois impeachments, escândalos de bom tamanho na área da corrupção, prisões de gente importante, desmandos e conflitos entre políticos e partidos. Consequência do sistema partidário caótico, com mais de trinta siglas, dentro de um regime de governo indefinido, com seu corpo parlamentarista e prática presidencialista. Não é nenhuma coisa, nem outra.
A resposta tem sido a crise. Houve inflação elevadíssima na casa de cem por cento ao mês. Surgiram vários planos econômicos, antes de a economia encontrar sua estabilidade. A frequente intromissão do Judiciário na área do Legislativo que se esquiva de tomar decisões profundas. Vive na superfície dos problemas.
As reformas essenciais, seja a tributária ou a administrativa, não caminham. Enfim existe a percepção, interna e externa, de que o estado precisa diminuir seu tamanho e aumentar sua eficiência. Mas nada se faz para corrigir essa anomalia. O resultado é a instabilidade.
Pior do que a instabilidade, é o fim das esperanças. O jovem no Brasil encontra enormes dificuldades para encontrar emprego no nível de suas capacidades. Melhor se arriscar no exterior. O Brasil está perdendo seus melhores cérebros.
Quem pode, pega o primeiro avião e caminha para o mundo desenvolvido. Encontrei em Harvard, há mais de ano, um surpreendente contingente de estudantes brasileiros. O Brasil mergulha na direção de níveis africanos. Isso não é derrotismo. É realismo.
A Argentina frequentou o clube dos países mais ricos do mundo, com povo alfabetizado, boa oferta de grãos, petróleo e carne de primeira linha. No início do século vinte, a economia do vizinho chegou perto de ser o dobro do Brasil. Hoje, o produto interno bruto deles está próximo de um terço do brasileiro.
O vizinho regrediu. Deixou o mundo desenvolvido e passou a figurar entre os emergentes. Os hermanos continuam a viver o inferno econômico sul-americano. Juros elevados, inflação alta, reservas internacionais escassas e desemprego feroz. Moeda sem valor. O mercado é indexado ao dólar.
No Brasil a crise é anunciada. O regime presidencialista é um desastre. Só deu certo nos Estados Unidos, porque lá funciona uma confederação de verdade. Houve a guerra da secessão no século 19 quando os estados do sul tentaram deixar a confederação. O presidente Lincoln salvou a União, libertou os escravos e por causa disto foi assassinado.
Na eleição seguinte, através de um acerto entre partidos, tudo retornou à situação anterior. Os negros perderam seus direitos. O sistema eleitoral, indireto, prevaleceu. Ou seja, fizeram questão de reafirmar sua própria autonomia. É a confederação.
Os exemplos recentes daqui são eloquentes. O governo de Dilma Rousseff vinha fazendo água a olhos vistos. Ela perdeu a capacidade de se articular com o Congresso e inventou uma política econômica anticíclica desastrosa. Surgiu o impeachment. O processo foi duro, difícil, provocou crises, queda da bolsa de valores, disparada do dólar, xingamentos de parte a parte e grandes traições. Um desastre.
Nos dias que correm, de novo, a ameaça de remover o presidente de sua cadeira aparece no horizonte. A resposta do governo é distribuir cargos e benesses para comprar alianças e se manter no poder. Não há projeto, a não ser permanecer dentro do Palácio do Planalto, mesmo que seja sangrando em praça pública pelos próximos dois anos.
Os partidos políticos se amoldam aos problemas. O Brasil bordeja o abismo. Se o regime fosse parlamentarista a crise seria menor. O parlamento aprovaria o voto de desconfiança, um novo primeiro-ministro assumiria o cargo e a vida continuaria. É assim no mundo todo. A Itália fica meses sem governo. O mesmo acontece na Bélgica ou em Israel. Nestes países exercício da política é distante do comando da administração.
O governo se defende praticando o conhecido toma lá, dá cá. Podem surgir novos ministérios. Farta distribuição de benesses, verbas e empregos. O impeachment pode ou não acontecer, mas a crise está anunciada. Os brasileiros não perdem a oportunidade de perder mais tempo, de se afastar do mundo desenvolvido, de regredir nos níveis de escolaridade e padecer do pesado desemprego.
Os jovens preparam seus passaportes. Especuladores esfregam as mãos. Já apostam na elevação de juros, no retorno do capital especulativo que produz lucros extravagantes sobre populações empobrecidas. Este foi o pano de fundo na eleição dos presidentes do Senado e da Câmara.
André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Brazilien