Chamada de Operação Deja Vu, a 51ª fase da Operação Lava Jato investiga se US$ 54,5 milhões (cerca de R$ 200 milhões), de um contrato de US$ 825 milhões envolvendo Petrobras e Odebrecht, tiveram como destino propinas pagas a executivos da estatal e a partidos políticos. No despacho, o Juiz Sérgio Moro afirma que pagamentos teriam sido feitos “especificamente” a Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e João Vaccari Neto.
O contrato suspeito previa a prestação de serviços de reabilitação, construção e montagem, diagnóstico e remediação ambiental, elaboração de estudo, diagnóstico e levantamentos nas áreas de segurança, meio ambiente e saúde em nove países, além do Brasil.
Entre os investigados estão os ex-integrantes da área internacional da Petrobras Aluísio Teles Ferreira Filho, Rodrigo Zambrotti Pinaud e Ulisses Sobral Calile. Segundo os investigadores, com a ajuda de operadores financeiros, cerca de US$ 24 milhões tiveram como destino contas de agentes públicos ligados à Petrobras. Mais US$ 31 milhões teriam como destino pessoas que se diziam intermediários de políticos ligados ao então PMDB (atual MDB). Há, ainda, a suspeita de que o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tenha recebido parte dos recursos.
A Polícia Federal informou que cerca de 80 policiais estão cumprindo 23 ordens judiciais nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. De acordo com o delegado da Policia Federal Igor Romario de Paula, foram cumpridos os 17 mandados de busca. Dos mandados de prisão, foram cumpridos três preventivas e uma temporária. Há ainda uma preventiva em aberto porque o investigado está no exterior – embora ainda não seja considerado foragido.
“O que se pretende é buscar elementos para aprofundar as investigações sobre o contrato celebrado entre a Petrobras e a Odebrecht. Informações privilegiadas foram concedidas por executivos da Petrobras aos da Odebrecht que [em retorno] prometeram uma série de benefícios ilícitos”, disse, durante coletiva de imprensa, o procurador do Ministério Público Federal Roberson Pozzobon. Na época, o diretor da área internacional da Petrobras era Jorge Zelada, já condenado por fraudes em contratos da petrolífera.
Pozzobon explicou como foram os primeiros passos para o desvio dos recursos. “Aluísio Teles [engenheiro da Petrobras que viria a ser gerente do contrato] contatou executivos da Odebrecht para ver se havia interesse da empreiteira no contrato [para a prestação de serviços de segurança, meio ambiente e saúde]. Quando a Odebrecht manifestou interesse, foi dito que 3% teriam de ser pagos a pelo menos três executivos da estatal”, disse o procurador, referindo-se aos então integrantes da Petrobras internacional Aluísio Teles Ferreira Filho, Rodrigo Zambrotti Pinaud e ao técnico de inspeção de equipamentos, transferido da Transpetro para a Petrobras exclusivamente para tomar parte na licitação, Ulisses Sobral Calile.
Ao aprofundar as investigações, foram verificados ajustes nos contratos e repasses a operadores João Augusto Rezende Henriques e Ângelo Tadeu Lauria, que seriam ligados ao MDB – na época, PMDB. “Em uma das reuniões, esses agentes se apresentavam como intermediários de pagamentos a políticos do PMDB. O destino desses recursos será alvo de investigações. Nossa suspeita é de que os pagamentos do PMDB eram direcionados ao Eduardo Cunha [ex-deputado pelo PMDB, que presidiu a Câmara dos Deputados durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff], e os do PT para João Vaccari Neto”, completou o procurador Julio Carlos Motta Noronha.
Pozzobon explicou como foi o direcionamento da licitação. “A Odebrecht foi contemplada a partir de informações privilegiadas da Petrobras, permitindo que a empreiteira elaborasse o projeto antecipadamente para que, quando a licitação saísse, o prazo [de 35 dias] fosse curto para que as empresas internacionais concorrentes apresentassem seus projetos. A Odebrecht então buscou as empresas do cartel, no caso a OAS e a Andrade Gutirerrez, que apresentaram lances que acabaram sendo rejeitados”. Com o contrato assinado, a diretoria internacional começou a fazer pressões para que o preço do contrato fosse inflado. “Foi apurado que o Aluísio Teles, quando já era gerente do contrato, pediu levantamento dos custos do contrato na Argentina. Na época o valor era de US$ 32 milhões. Ele considerou o valor baixo e pediu uma nova auditoria, que concluiu que havia passivos ambientais que aumentaram [o valor] para US$ 72 milhões. Esse estudo foi inclusive questionado na Argentina”, acrescentou. Foi então feita uma apuração interna na Petrobras que, segundo os investigadores, foi conduzida de forma suspeita. Em um primeiro momento, foi instituída uma comissão para estudar por seis meses o contrato. “Do nada, essa comissão foi interrompida e constituída nova comissão, sob o argumento de que havia urgência para a contratação”, disse Pozzobon. Posteriormente, foi verificado que não havia necessidade de acelerar o contrato.
“O Jorge Zelada [então diretor da área], quando se referia ao contrato, dizia que os gerentes internacionais deveriam ‘usar e abusar’ desse contrato. Isso inverte a lógica da coisa pública, que é de baixar preços. Eles acabaram inflando os valores”, disse Pozzobon.
Com isso, US$ 24 milhões tiveram como destino agentes públicos, por meio do operador financeiro Mário Miranda, que repassou parte ao Aluísio Teles, titular de uma conta que recebeu US$ 11,5 milhões em apenas um ano. “Teles então transferiu parte da propina para conta de Ulisses Sobral, em outra conta na Suíça, e, depois, para Rodrigo Pinaud”. Também foram feitos pagamentos em espécie, segundo os procuradores.
Tanto o operador Miranda como os três executivos tiveram suas contas bloqueadas pelas autoridades suíças. No caso de Miranda, foram bloqueados cerca de US$ 7 milhões. Já Aluísio Teles teve US$ 6,2 milhões bloqueados; e Ulisses Sobral, US$ 3 milhões. Sérgio Boccaletti, que é sócio de Miranda, teve US$ 3,1 milhões bloqueados. O MPF informa atuar com o objetivo de repatriar todos esses valores, que correspondem a cerca de R$ 70 milhões.