O jornal Estadão traz uma nova reportagem sobre denúncias de corrupção no ministério de Desenvolvimento Regional comandado por Rogério Marinho. A novidade desta quinta-feira (7) destaca que o ministro Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU), afirmou “não ter dúvida” de que há corrupção na compra de tratores pelo governo via orçamento secreto, caso revelado pelo Estadão e que ficou conhecido como “tratoraço”. Vale ressaltar que esta é a primeira vez que um membro do ‘Governo Bolsonaro’ admite um caso de corrupção no ‘Governo Bolsonaro’.
O ministro falou em audiência na Câmara na quarta-feira (6) e confirmou que está em parceria com a Polícia Federal na investigação do esquema de venda de emendas parlamentares, em que deputados e senadores destinariam dinheiro público do Orçamento a prefeituras em troca de um percentual.
“Sobre vendas de emendas, estamos investigando vários casos porque já fazemos esse trabalho em convênios em geral. Porque não é só trator, tem várias outras coisas acontecendo fruto de convênios no Brasil em diversos outros órgãos e estamos com trabalho bastante forte nisso, em parceria com a PF, e todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração de operação e também no desencadeamento dos trabalhos”, afirmou aos deputados.
A denúncia é de que parlamentares cobram de 10% a 20% sobre o valor da emenda em troca da indicação de recursos para uma determinada prefeitura. O valor seria pago por empreiteiras interessadas nas obras que o dinheiro vai bancar ou pelos próprios agentes públicos.
As investigações cercam, sobretudo, emendas enviadas por deputados ou senadores para cidades fora do seus redutos eleitorais, até em outros Estados. O Estadão mostrou em maio que R$ 181 milhões foram destinadas desta maneira. “Não temos dúvidas de que vai existir corrupção na ponta, agora o nosso trabalho tem que ser bastante cauteloso”, disse o ministro.
Durante a audiência com o chefe da CGU, o deputado Jorge Solla (PT-BA) afirmou que a prática é conhecida no Congresso. “Nós temos recebido muitas denúncias de vendas de supostas emendas de relator, com pagamento antecipado de comissão em dinheiro. Chegamos a uma situação em que o volume de dinheiro é tão grande, que, para além de atender aos interesses da base do governo em votações, está se transformando em um mercado persa”, afirmou.
Em resposta, Rosário antecipou que as investigações estão avançadas. “Em relação a irregularidades já estamos chegando a algumas e, em breve, será de conhecimento de todos, estamos com as equipes atuando em conjunto sempre com a PF e o MP.”
CGU orientou Ministério a suspender tratoraço
A Controladoria-Geral da União (CGU) orientou e o Ministério do Desenvolvimento Regional – comandado por Rogério Marinho – decidiu suspender os contratos que ficaram conhecidos como ‘tratoraço’ do governo Bolsonaro. Estavam em jogo acordos que somam R$ 3 bilhões que seriam destinados à compra de máquinas agrícolas a pedido de deputados e senadores por meio do esquema do orçamento secreto. A primeira análise realizada por auditoria da CGU apontou sobrepreço no valor de R$ 142 milhões.
As informações foram publicadas dia 14 de setembro pelo jornal Estadão, que revelou o esquema em maio passado, detalhando o mecanismo de “toma lá, dá cá” para aumentar sua base de apoio do Governo Bolsonaro no Congresso. Após a publicação das primeiras matérias a auditoria da CGU foi instaurada e culminou com a suspensão dos contratos.
Mesmo após a sequência de reportagens, o Palácio do Planalto e o Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável por liberar os recursos, continuaram negando negando irregularidades nas compras de tratores. Segundo o jornal paulista, o ministério só decidiu interromper os pagamentos após a auditoria da CGU confirmar a ocorrência de sobrepreço. Foram bloqueados temporariamente 115 convênios firmados com municípios. Além disso, a pasta renegociou lotes de uma licitação bilionária para readequação dos valores.
Auditoria da CGU aponta sobrepreço
A apuração feita pela CGU mostra que em 115 convênios celebrados para a compra de nove tipos de máquinas, “o risco de sobrepreço foi considerado alto (entre 10% e 25%) ou extremo (acima de 25%) pela equipe de auditoria, totalizando o valor de R$ 12,1 milhões”. A auditoria mostra que esse risco atinge 61% da amostra de 188 convênios firmados entre MDR e municípios com recursos originários de emenda de relator (RP9) no ano de 2020. É esse tipo de emenda que foi utilizada para fazer o “tratoraço”.
A análise da CGU foi feita após pesquisas nos arquivos, termos de referência, pareceres e orçamentos dos convênios que preveem a compra de tratores agrícolas, motoniveladoras, retroescavadeiras, escavadeiras hidráulicas, pás carregadeiras e caminhões basculantes. “Em seguida, foi feita a comparação com os preços que o governo federal tem pagado por equipamentos com características similares, por meio dos sistemas Painel de Preços e Comprasnet. O risco de sobrepreço só foi considerado baixo (menor que 5%) ou moderado (entre 5% e 10%) em 73 convênios (39% do total)”.
O total de sobrepreço apurado pela equipe da CGU “foi de R$ 2.525.385,53, o que representa 17% do total previsto pelos convenentes para aquisição de tratores com potência entre 75 cv e 85 cv”, disse a auditoria.
O que é tratoraço?
Em maio passado o Estadão publicou reportagem apontando que o ministério comandado por Rogério Marinho criou um orçamento secreto pelo qual deputados e senadores da base de apoio do governo receberam aproximadamente R$ 3 bilhões em emendas, a maior parte destinada à compra de equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores da tabela fixada pelo próprio governo.
O conteúdo da reportagem ganhou ares de escândalo e a hastag #Tratoraço virou um dos assuntos mais comentados do twitter no Brasil durante o final de semana.
De acordo com o jornal paulista, o montante distribuído aos parlamentares foi contabilizado a partir de um conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados para indicar como os parlamentares queriam que o dinheiro fosse usado. Essa, inclusive, é uma prerrogativa do ministro.
O esquema foi criado na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2020, para atender deputados e senadores com a indicação de recursos de emendas em troca de apoio no Congresso. O esquema, que ficou conhecido como “Tratoraço”, permitiu a liberação de R$ 3 bilhões em verbas só do Ministério do Desenvolvimento Regional sem que o dinheiro fosse submetido a qualquer regra fiscal ou supervisão popular.
Ao invés de seguir o caminho normal de direcionar recursos através de emendas parlamentares, que são votadas todos os anos e cujos recursos são fiscalizados pelos órgãos de controle, os congressistas criaram um novo método chamado de “emenda do relator”, cujo controle fica apenas com o Palácio do Planalto e os parlamentares envolvidos na negociação.
Esse tipo de operação, a partir de um orçamento paralelo, dificulta a fiscalização dos recursos públicos tanto pelo Tribunal de Contas da União como pela própria sociedade. Até porque os critérios utilizados nos repasses são políticos e eleitoreiros.
Em uma segunda reportagem, também em maio passado, o Estadão afirmou que Rogério Marinho aumentou em 223% a verba repassada por sua pasta para o Rio Grande do Norte. Segundo a publicação, o Rio Grande do Norte passou a ocupar o topo do ranking na lista de repasses do Ministério do Desenvolvimento Regional, que assinou contratos que juntos somam R$ 1,2 bilhão para a construção de parques eólicos, adutoras, cisternas, construção de galpões, asfaltamento de estradas e compra de tratores agrícolas.
Pelo levantamento realizado pelo jornal, em 2019, o RN obteve mais repasses do que a soma do que foi encaminhado aos estados do Ceará (R$ 650 milhões) e Paraíba (R$ 315 milhões). No entanto, ao ser questionado, Marinho negou favorecimento de sua base eleitoral e explicou que R$ 695 milhões são referentes a repasses da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para financiamento de empresas privadas que vão instalar parques eólicos no estado.
Ao todo, R$ 905 milhões teriam sido direcionados ao RN, apenas R$ 190 milhões teriam sido executados até agora. Segundo o Estadão, os dados foram retirados do próprio site do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Rogério Marinho chegou ao ministério depois de coordenar a secretaria especial de Previdência e Trabalho ligada ao Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, hoje desafeto declarado do potiguar. Atualmente sem partido, Marinho avalia a possibilidade de se candidatar ao Governo do Estado ou ao Senado Federal em 2022 com o apoio do presidente da República Jair Bolsonaro.
Verbas seriam para garantir futuro político de Rogério Marinho
Na avaliação do Estadão, com as verbas repassadas ao RN, a estratégia seria de fortalecer uma aliança de direita local. Marinho, que já foi do PSDB, apoiou a filiação do atual prefeito de Natal, Álvaro Dias (PSDB), que estava no MDB em 2020. Álvaro faz parte da tendência bolsonarista contra medidas como fechamento temporário de atividades para garantir o isolamento social durante o combate à pandemia do novo coronavírus.
Rogério Marinho também garantiu o apoio do presidente da Assembleia Legislativa do RN, Ezequiel Ferreira (PSDB), que já declarou publicamente apoio ao ministro do Desenvolvimento Regional no caso de uma possível candidatura ao Senado em 2022, e tem feito uma série de inaugurações de obras do Governo Federal em redutos eleitorais do ex-presidente Lula.
Marinho se candidatou a deputado federal pelo Rio Grande do Norte, mas figura conhecida e reprovada pelos eleitores locais, não conseguiu se eleger e foi convidado para o governo de Michel temer, que assumiu a presidência depois do golpe parlamentar de 2016 que retirou a presidenta Dilma Rousseff do cargo.
O atual ministro do Desenvolvimento Regional foi o relator da Reforma Trabalhista aprovada ainda no governo de Temer, que provocou maior precarização para os trabalhadores, que passaram a ter salários menores e jornadas incertas de trabalho, entre outras perdas. Marinho também tem no currículo uma proposta de reforma dos planos de saúde que previa a redução de multas aplicadas em caso de descumprimento por parte das operadoras das coberturas previstas no contrato, entre outras medidas. O projeto acabou sendo deixado de lado e diante da eficiência em empurrar goela abaixo temas tão azedos e prejudiciais ao coletivo da população, foi convidado a permanecer no governo do atual presidente Jair Bolsonaro.