O Governo do Estado deve cerca de R$ 360 milhões aos professores da rede pública de ensino, que estão em greve há três semanas, em retroativos atrasados. A cifra, calculada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte-RN), diz respeito ao pagamento do piso 2022 e não inclui valores deste ano. A dívida é um dos principais motivos para a categoria ter mantido a greve, na manhã de ontem (29). Além disso, os professores cobram o reajuste de 2023, de 14,95% no piso do magistério (R$ 4.420) para todos os trabalhadores, incluindo ativos e aposentados.
De acordo com a coordenadora-geral do Sinte, Fátima Cardoso, o passivo corresponde somente às parcelas atrasadas do retroativo da implementação do piso do ano passado, que teve um reajuste de 33,24%. No ano passado, a categoria encerrou a greve após o Executivo assegurar o pagamento do piso e garantir o acerto dos retroativos parcelados em 12 vezes (janeiro a dezembro de 2023), o que foi descumprido, segundo a categoria. Ainda de acordo com o Sinte, nenhuma parcela foi paga ainda. A reportagem procurou as secretarias de Educação e de Planejamento e Finanças para repercutir o passivo apontado pelo sindicato, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.
“Tivemos quatro propostas pelo parcelamento e a questão do retroativo ficou inalterada”, pontua Fátima Cardoso. “Temos um passivo hoje de R$ 360 milhões de retroativos atrasados, já subtraindo a parcela do governo para o Ipern [Instituto de Previdência dos Servidores Estaduais]”, complementa. Em relação aos retroativos, o governo propôs “esticar” o acordo anterior e pagar o passivo referente a 2022 em 14 parcelas, invadindo assim o ano de 2024. Com isso, o retroativo referente a 2023 também seria concluído no ano que vem – de maio a dezembro.
Já em relação ao pagamento do piso em si, o Governo, por meio da própria Fátima Bezerra (PT), formalizou a proposta de atualização salarial de 14,95% para todos que ganham abaixo do piso a partir de maio. Para os que ganham acima do piso, o Estado sugeriu implementar o reajuste de forma parcelada: 7,21% para maio, 3,61% em novembro e 3,49% em dezembro. Essa é a quarta proposta do Governo do Estado aos professores. Nas outras três, o Executivo também havia tentado parcelar o pagamento do piso, mas todas foram rejeitadas.
Com a greve prestes a completar um mês, os professores se dizem “decepcionados e impacientes” com a situação. O professor Jobielson Silva, 37, disse que as propostas apresentadas pelo Executivo foram “absurdas”. “Consideramos a proposta da governadora como absurda. Nós acreditamos que é possível motivar os professores para voltarmos às ruas com muita energia. Estamos fazendo isso pelos nossos direitos. Por ironia do destino, Fátima Bezerra foi a parlamentar que, de certa maneira, lutou pela aprovação da lei do piso dos professores”, protestou o docente que atua em Assu.
A cobrança em torno da governadora Fátima Bezerra tem sido mais incisiva por parte dos professores devido ao histórico da petista. Além de ter feito parte do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte-RN), quando deputada federal, Fátima Bezerra foi a relatora da lei do piso do magistério e coordenou a Frente Parlamentar em Defesa do Piso dos Professores. A pressão também recai sobre a titular da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura e do Lazer (SEEC), Socorro Batista, outra ex-militante do movimento sindical.
O professor da rede estadual, Edvan Querino, 37, considera o impasse como constrangedor. “É uma vergonha para nós, um constrangimento para toda a categoria, para o governo. A governadora foi professora porém agora ela é governo, agora ela é patrão. Infelizmente ela não está prestigiando, valorizando a categoria. Já são três anos que nós precisamos fazer greve para poder receber a atualização do nosso salário, que é um direito nosso”, afirmou Edvan, que trabalha em uma unidade na cidade de Lagoa de Pedras.
A greve dos professores do Rio Grande do Norte já dura 24 dias e é maior do que a paralisação do ano passado. Na segunda-feira (27), em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, a secretária Socorro Batista disse que o fim da paralisação “está nas mãos do sindicato” e lamentou “profundamente que a categoria não compreenda” a situação fiscal do Estado. Segundo ela, não há recursos para a implantação imediata do novo piso, nos moldes pleiteados pela categoria.
As declarações da secretária à TN irritaram os professores, que aprovaram, durante a assembleia da categoria, a divulgação de uma nota de repúdio respondendo a gestora.
Estado enfrenta limitação fiscal, aponta Governo
Logo após o anúncio do indicativo pela greve, o então secretário estadual de Planejamento e das Finanças, Aldemir Freire, foi às redes sociais para dizer que implementar o pagamento do piso na forma “como querem os professores consumiria 92% do espaço fiscal” do Estado. Freire, que neste meio tempo foi indicado para o Banco do Nordeste, apresentou uma planilha na qual aponta um impacto de R$ 894,6 milhões nas despesas correntes estaduais, o que inviabilizaria “o custeio e o investimento da própria educação”. Pelos cálculos do economista, o Estado teria apenas 8% para custear todas as outras despesas.
O sindicato, por sua vez, repudiou a fala do secretário. Em nota, o Sinte-RN disse ser “inaceitável que o governo de uma professora use a imprensa para dizer à população que o investimento nos profissionais da educação vai inviabilizar o funcionamento do Estado”. No documento, a categoria diz ainda que os professores não são responsáveis pela “falência do Estado” e ressalta que o Governo está tentando passar uma imagem de que a categoria é inflexível nas negociações.
“O secretário tenta confundir a sociedade quando sabe que na verdade esse percentual por ele alegado corresponde não ao piso de 2023, mas à soma do piso de 2023 com a dívida deixada pelo governo no ano anterior (o retroativo de 2022), dívida que o governo deveria ter quitado dentro do ano passado e que a categoria, dentro da sua capacidade de diálogo, aceitou deixar para este ano”, diz a nota.
Calendário de atividades
Durante a assembleia, ocorrida na Escola Estadual Winston Churchill, a categoria aprovou um “calendário de lutas”, com manifestações até a próxima sexta-feira (31). Na manhã de hoje (30), os trabalhadores farão um “faixaço” na frente do Terminal Rodoviário de Natal, além de um levantamento do quadro de greve na sexta. Na terça-feira (4), os professores voltam a se reunir em assembleia para definir os rumos do movimento grevista.
Propostas Recusadas
Entenda evolução das propostas do Estado
1ª proposta
Implementar no mês de março para todos os ativos e aposentados que ganham abaixo do Piso (R$ 4.420,55), retroativo ao mês de janeiro;Conceder em maio 3% aos demais (ativos e aposentados);Pagar 2,71% em setembro;Implementar mais 8,66% em dezembro;Pagamento de retroativo a partir de maio de 2024.
2ª proposta
Implantar 5,70% em maio e 8,66% em dezembro, deixando o retroativo para ser pago a partir de maio do ano que vem.
3ª proposta
Reajustar de forma integral os 14,95% em março, com efeito retroativo a janeiro e fevereiro para os professores que recebem abaixo do valor do piso (R$ 4.420,55);Para os demais, incluindo aposentados e pensionistas com paridade, que recebem acima do valor do piso, implementar o índice de 6,5% em maio e de 7,93% em dezembro;nRetroativo em 8 parcelas, entre maio e dezembro de 2024.
4ª proposta
Aplicação do reajuste de 14,95% no mês de abril para os que estão abaixo do Piso, com efeito retroativo a janeiro;Aplicação do reajuste em três parcelas, sendo: 7,21% em maio; 3,61% em novembro e 3,49% em dezembro, para os demais professores/as da ativa, aposentados/as e pensionistas com paridade;Retroativo em 8 parcelas, entre maio e dezembro de 2024.