A denunciação caluniosa é há muito tipificada no art. 339 do Código Penal. Comete quem aciona indevidamente ou movimenta irregularmente a máquina estatal de persecução penal (Delegacia,Fórum, Ministério Público, CPI, Corregedoria, etc.) fazendo surgir contra alguém um inquérito ou processo imerecido.
Trata-se de um crime contra a administração da Justiça, impulsionada inútil e criminosamente; em segundo lugar, protege-se a honra da pessoa inocente a quem se imputa o ilícito penal.
A Lei nº 13.834, de 4 de junho de 2019 inseriu no Código Eleitoral um tipo muito semelhante, que se diferencia sobretudo pelo propósito sob o qual atua o agente: a finalidade eleitoral. O tipo está no art. 326-A e consiste no seguinte: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral”.
A pena de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. Como bem explica Nelson Hungria ao comentar o art. 339 do CP: Boletim Criminal Comentado – junho 2019 (semana 1) 7 “O indivíduo que se resguarda sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquele que age sem dissimulação. Ele sabe que a autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer possível pista (salvo quando evidentemente inverossímil), ainda quando indicada por uma carta anônima ou assinada com pseudônimo; e por isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino. Assim, quando descoberto, deve estar sujeito a um plus de pena.” (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, v. 9, p. 469). A Constituição Federal assegura a liberdade de expressão e veda o anonimato. Essa vedação se estende, em menor extensão, ao direito de petição.
A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. No art. 326-A do Código Eleitoral se acrescenta um elemento especial: a finalidade eleitoral, que normalmente se identifica em ataques contra a honra e a imagem pública de adversários políticos, especialmente em períodos que antecedem imediatamente as eleições.
É frequente a propagação de atos irresponsáveis aplicados com finalidade eleitoral, com a finalidade de violar ou manipular a vontade popular e de impedir a ocorrência de diplomação de pessoas legitimamente eleitas, pela vontade do povo.
O Código Eleitoral não previa a figura autônoma de denunciação caluniosa. A norma visa penalizar a denunciação caluniosa no âmbito das campanhas eleitorais, a fim de evitar que atitudes irresponsáveis e levianas interfiram no resultado das urnas.
A finalidade eleitoral implica na pretensão do sujeito ativo de influir, de algum modo e em algum grau, no processo eleitoral. Isso não significa que a imputação só possa ser feita a um candidato ou que tenha um marco temporal coincidente com a atividade dos candidatos – do registro à diplomação. A imputação pode ser feita para impedir as chances de alguém ser escolhido na convenção partidária, por exemplo, ou como forma de buscar o ajuizamento de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. É só imputar ao candidato eleito, falsamente, a prática de fraude na tomada ou cômputo dos votos.
O novo delito não exige condição ou qualidade especial do sujeito ativo, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Portanto, é crime comum, isto é, pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive por advogado, inclusive, pela autoridade pública que deu início à investigação, denúncia ou procedimento sabendo inocente a pessoa increpada, delegados e membros do Ministério Público incluídos
O advogado, se se limitar à representação de seu constituinte – formalizando, por exemplo, a petição dirigida a quem de direito – não responderá pelo delito; se o auxiliar para além disso ou fizer a imputação em nome próprio, ainda que na defesa de alguém, responde.
O sujeito passivo é o Estado, atingido na fiel administração da Justiça Eleitoral.
Figura, ainda, como vítima secundária, a pessoa inocente denunciada. A competência é da Justiça Eleitoral para o processo e julgamento. Trata-se de figura dolosa (como todos os crimes eleitorais), de ação penal pública incondicionada (idem), que exige o chamado dolo direto (não vale o eventual: o agente precisa saber que se trata de uma imputação falsa, ver STF, Inquérito 3.1333) e, além do mais, específico (a finalidade da conduta é influenciar, em algum modo e grau, a disputa eleitoral).
A disseminação de informação falsas com objetivos eleitorais, além de promover a desinformação dos eleitores, evita a escolha dos candidatos com base nas reais aspirações e interesses sociais. Promove uma cultura de perseguição e ódio, muito distante dos ideais de uma democracia representativa.
A internet é um ambiente vasto. No entanto, a responsabilização dos que disseminam informações falsas deve ser buscada pelo Estado, sob pena de que as ações não tenham a efetividade esperada em razão da própria natureza incontrolável da internet. O Poder Público deve buscar todos os mecanismos possíveis para garantir a isonomia e a confiabilidade do processo eleitoral.
A lei objetiva punir o “vale tudo” que só acontece nas eleições, gente inescrupulosa procura Polícia, Judiciário ou Ministério Público com dossiês forjados, testemunhas peitadas, informações enganosas e narrativas especiosas, explorando o zelo profissional e a boa-fé de autoridades. A nova norma é bem-vinda e deverá levar os cidadãos a serem mais criteriosas nas redes sociais, bem como as agremiações partidárias e os políticos a reverem as suas estratégias de campanha eleitoral nos próximos pleitos. A regra vale para todos cidadãos, partidos e políticos.
Abdias Duque de Abrantes – jornalista, servidor público, advogado, graduado em Direito pela UFPB e pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Potiguar (UnP), que integra a Laureate International Universities