Pedido para abertura de CPI foi protocolado pelo deputado Sandro Pimentel um dia depois de a Controladoria-Geral do Estado (Control) publicar um relatório que aponta diversas irregularidades no contrato do governo com o estádio potiguar
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte deverá abrir nos próximos dias uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o contrato do Governo do Estado com a administração da Arena das Dunas, estádio construído em Natal para a Copa do Mundo de 2014.
Pelo menos oito deputados estaduais disseram ao Agora RN apoiar a abertura da investigação. De acordo com o regimento interno da Assembleia, este é o número mínimo de assinaturas necessárias para instalar a CPI na Casa. Com as assinaturas, não é necessário sequer submeter o tema ao plenário – a investigação é aberta imediatamente.
O requerimento para abrir a CPI foi protocolado no fim da tarde desta terça-feira (12) pelo deputado Sandro Pimentel (PSOL).
“Temos dados que mostram que houve diversas irregularidades na execução dos contratos de construção e gestão da Arena das Dunas. Mas é importante lembrar que essas inconsistências não acontecem sozinhas, elas foram operadas por pessoas. É preciso dar prosseguimento a uma investigação para encontrar os responsáveis e nos debruçarmos mais detalhadamente nos aspectos contábeis que não puderam ser analisados na auditoria”, afirmou Sandro, durante sessão virtual da Assembleia ontem.
Além de Sandro Pimentel, confirmaram apoio à abertura da CPI os deputados Allyson Bezerra (Solidariedade), Cristiane Dantas (Solidariedade), Eudiane Macedo (Republicanos), Francisco do PT, Isolda Dantas (PT), Kelps Lima (Solidariedade) e Ubaldo Fernandes (PL).
Quatro deputados não descartaram assinar o pedido para abrir a CPI, mas afirmaram ao Agora RN que vão estudar melhor o assunto antes de tomarem a decisão. São eles os deputados Dr. Bernardo Amorim (Avante), Nélter Queiroz (MDB), Raimundo Fernandes (PSDB) e Tomba Farias (PSDB).
Outros três parlamentares, por outro lado, manifestaram que não vão apoiar a CPI: Gustavo Carvalho (PSDB), Hermano Morais (PSB) e José Dias (PSDB). O restante dos deputados não foi localizado pela reportagem ou não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.
A investigação
O pedido para abertura de CPI será protocolado por Sandro Pimentel um dia depois de a Controladoria-Geral do Estado (Control) publicar um relatório que aponta diversas irregularidades no contrato do governo com a Arena das Dunas. O trabalho tem 97 páginas e está disponível no site do Governo do Estado.
De acordo com a auditoria, feita após um pedido do deputado do PSOL, o prejuízo para o Estado no acordo pode chegar a R$ 421 milhões, entre cifras que podem ser recuperadas, as que teriam deixado de ser pagas e reflexo de ajustes feitos no contrato.
Segundo a conclusão da Control, o prejuízo se dá principalmente em duas frentes.
Na primeira, o cálculo aponta que a Arena das Dunas deixou de repassar ao governo, entre outubro de 2014 e julho de 2019, cerca de R$ 16,3 milhões. Este valor corresponde, segundo a auditoria, à diferença entre o que o governo repassou para o estádio e o que deveria ter recebido de participação nos lucros de eventos não-esportivos realizados no local.
Pelo contrato firmado entre as partes, o Governo do Rio Grande do Norte paga para a Arena, por mês, R$ 8,7 milhões fixos, além de uma parcela variável que costuma ser de R$ 2,1 milhões pelo serviço de administração e manutenção. Isso acontece porque a própria concessionária contraiu empréstimos e realizou a obra de construção do estádio. O repasse é uma forma de indenização paga pelo Estado pelo investimento feito pelo consórcio no equipamento público.
Ainda segundo o contrato, a Arena deve transferir para o Estado – na interpretação da auditoria – metade da receita bruta. Só que, entre 2014 e 2019, o estádio repassou metade da arrecadação líquida, o que gerou apenas R$ 1,5 milhão de dividendos para o Estado, quando na verdade o correto seriam R$ 17,8 milhões. Daí, afirma a Control, caberia ao Estado receber mais R$ 16,3 milhões.
Para resolver este problema, a Control sugere que os repasses mensais para a Arena das Dunas sejam suspensos até que a diferença seja quitada. Para o futuro, considerando a média de arrecadação do estádio, o Estado poderá receber até R$ 40 milhões a mais, até o fim do contrato de concessão.
Na segunda frente, a auditoria constatou que a concessionária da Arena das Dunas tem recebido do Estado bem mais do que paga pelos empréstimos contraídos para a construção do estádio.
Quando terminarem os repasses (em 2026), o governo terá depositado um montante de R$ 1,2 bilhão (só de parcela fixa, sem considerar o valor de manutenção). No entanto, a dívida total da Arena das Dunas com empréstimos é inferior: R$ 837,8 milhões. A diferença de R$ 361,2 milhões é chamada de “enriquecimento sem causa” no relatório. Os auditores recomendam ao governo que reveja os termos do contrato de modo que o pagamento das parcelas fixas seja dado por encerrado após atingir R$ 837,8 milhões.
Em nota publicada na segunda-feira (11), a Arena das Dunas informou que só vai se posicionar oficialmente só depois que tiver acesso ao relatório.
O que é a CPI
De acordo com o regimento interno da Assembleia, a Comissão Parlamentar de Inquérito tem caráter temporário (até 90 dias) e poderes de investigação próprios da Justiça. Os membros da CPI são designados pelo presidente da Casa, podendo inclusive contar com representante do Ministério Público.
A CPI pode determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos e tomar depoimentos de autoridades.
Tribunal de Contas do Estado vai analisar relatório de auditoria
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) vai avaliar o relatório da auditoria feita pela Controladoria sobre os contratos firmados entre o governo estadual e a Arena das Dunas. Após a análise da documentação, a Corte de Contas vai definir se inclui o material nos processos relacionados com a construção do estádio.
Atualmente, segundo informações do TCE, há dois processos ligados à Arena das Dunas em tramitação. As investigações foram iniciadas em 2011.
O primeiro procedimento (2813/2011) analisa a contratação da Parceria Público-Privada (PPP) para a Arena das Dunas. A relatoria é da conselheira Maria Adélia Sales. O segundo processo (11.750) é sobre as contratações de empresa de consultoria para assessoria, estruturação, modelagem e desenvolvimento do projeto. Neste caso, o relator é o conselheiro Paulo Roberto Chaves.
Apenas o segundo já apresentou uma decisão. Em 19 de março de 2019, o conselheiro Paulo Roberto Chaves determinou o ressarcimento de R$ 3,4 milhões aos cofres públicos estaduais. O pagamento deve ser feito por gestores responsáveis pela contratação de uma empresa de consultoria que fez assessoria, estruturação, modelagem e desenvolvimento da PPP. O processo analisou dois contratos feitos pela Secretaria Estadual de Turismo (Setur) com a empresa Valora Participações LTDA.
Segundo a movimentação do processo, após recursos apresentados pelos acusados, o caso aguarda parecer técnico do Ministério Público de Contas junto ao TCE (MPCjTCE) antes de nova sentença.
O processo que está com a conselheira Maria Adélia Sales também aguarda parecer técnico do MPCjTCE para definir a sentença. O que sabe até o momento, de acordo com auditoria feita pelo próprio TCE, é de que a contratação de parceria público-privada da Arena das Dunas foi feita sem a realização dos estudos de viabilidade.
Além disso, a auditoria do TCE encontrou sobrepreço no valor contratado para o investimento na obra da Arena das Dunas no percentual de 43,65%, da ordem de R$ 121,5 milhões. Outro fato descoberto é que o superfaturamento totalizou – com valores calculados até abril de 2016 –, apenas com as parcelas fixas das contraprestações mensais, um dano de R$ 67 milhões.
Em relatório da Inspetoria de Controle Externo do TCE, órgão responsável pela auditoria da PPP da Arena das Dunas, os técnicos recomendam a condenação da construtora OAS e da Arena das Dunas S.A por conta das irregularidades no processo e pelo sobrepreço constante no contrato de PPP.
O documento também recomenda condenação para a ex-governadora Rosalba Ciarlini e para o ex-secretário extraordinário da Copa Demétrio Torres.
A auditoria também sugere redução do valor repassado à Arena das Dunas. A sugestão é de que o porcentual seja de 75% sobre o total da contraprestação mensal, que deverá perdurar até março de 2023. Após isso, a parcela passaria para 77,96%, a fim de compensar o sobrepreço existente.