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ARTIGO DE NEY LOPES “ANÁLISE DO PACOTE DE MORO”

Improcede a opinião de que o “pacote” do ministro Moro contra a violência e a corrupção é menos importante do que a “reforma da previdência”. Ambos abordam temas inadiáveis.

O aumento da violência atinge limites inimagináveis. Um italiano, que residia em Natal e produzia massas artesanais me disse: “gosto muito da sua cidade. Mas não posso viver, onde diariamente corro o risco de perder a vida por um celular”.

Sempre entendi que não haverá como reprimir a violência e a corrupção, sem mudanças substanciais na lei. Daí defender a convocação de uma assembleia “constituinte originária”, sob pena de certos princípios, já modernizados no resto do mundo, continuarem “tabu” em nossa legislação.  

Será impossível avançar, somente através da legislação infraconstitucional. Por exemplo: não haverá como reformular a maioridade penal (16 anos ao invés de 18), senão através de Constituinte originária. Emenda constitucional aprovada seria rejeitada pelo STF, por ferir “clausula pétrea”.

A França deu exemplo ao promover reforma constitucional, após o “massacre de Paris” (2015). Seguiu o exemplo dos Estados Unidos, que para combater o 11 de setembro de 2001 (atentado às torres gêmeas de Nova York) decretaram a “Lei do Ato Patriótico” nada mais do que restrições a direitos fundamentais, referendado pela Corte Suprema.

A Alemanha aprovou lei que permite abater aeronave, sob controle de sequestradores.

A violência interna assemelha-se ao terrorismo externo. Em estados como o nosso Rio Grande do Norte, a criminalidade aumentou em 256%. Não adianta insistir em mudanças no sistema penitenciário, preservação dos direitos humanos, combate a desigualdade, inserção social etc.

Esses são temas relevantes, porém os fatos notórios mostram que há uma geração amedrontada, que precisa sobreviver, em curto prazo.

O mundo debate a questão do direito do cidadão viver em paz. Uma das teses é a do alemão Gunther Jakobs, que discute a flexibilização de garantias reputadas como intocáveis. Para Jakobs, os verdadeiros inimigos são aqueles que afrontam a estrutura do Estado, não aceitando as regras do direito. Quem assim age, não pode invocar os mesmos direitos fundamentais, assegurados às pessoas de bem.

Claro que não se pretende a eliminação de direitos e garantias individuais. Veja-se, por exemplo, a questão da legítima defesa. Não há como enfrentar esse “banho de sangue” contra policiais, sem a incorporação de regras que intimidem a marginalidade.

A proposta de Moro, apenas acrescenta ao artigo 23 do Código Penal, nova hipótese da legítima defesa, quando o policial reagir em conflito armado, ou em risco iminente e o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. Está claro que o policial continuará a responder pelo excesso doloso ou culposo, avaliado caso a caso.

Atualmente, os juízes deixam de reconhecer a excludente de crime em tais circunstancias, pelo fato da legislação não oferecer alternativa. Ao contrário, impõe que a reação do policial seja “moderada”, enquanto o marginal age imoderadamente. Numa “guerra urbana” como a que vivermos, não se pode exigir que o agente do Estado tenha sangue frio para “contar” a quantidade de tiros num momento de perigo, envolvendo surpresa, medo e violenta emoção.

A lei não pode desconhecer tal realidade.

Observe-se que no “pacote” há pontos obscuros. Um deles é a introdução do “informante do bem” ou do “whistleblower” (pessoa que leva ao conhecimento de autoridade denuncias de ilícito civil ou criminal).  Embora seja figura jurídica existente na Europa e Estados Unidos, na cultura brasileira correria o risco de transformar-se em “dedurismo”, por “premiar” os denunciantes, com a “recompensa” de 5% do valor recuperado.

Na delação premiada, o réu relata fatos, em troca de redução da pena. No “informante do bem”, a denuncia transforma-se em “negócio rentável” ($$$), sendo facilmente usada como vindita, perseguição, ou flagrante preparado (quem de forma insidiosa cria situação para acusar alguém da prática de crime inexistente).

No conjunto, o “pacote” é oportuno. Abre o debate sobre violência e corrupção no país.

O ministro Moro tem se mostrado aberto ao diálogo e já aceitou até algumas mudanças. Bom sinal, que deve ser usado pelo Congresso como meio de apressar a discussão e votação da matéria, que a Nação considera inadiável.

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