Os crimes teriam sido praticados contra uma procuradora regional do Trabalho.
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte protocolou na quarta-feira (11) denúncia contra o empresário Flávio Gurgel Rocha pela prática dos crimes de coação no curso do processo, calúnia e injúria. Os crimes teriam sido praticados contra a procuradora regional do Trabalho Ileana Neiva Mousinho, no exercício da função.
Através da assessoria de imprensa, o Flávio Rocha informou ao G1 que ainda não foi notificado e, portanto, não fará comentários sobre o assunto.
Ileana Neiva e outros 9 procuradores do Trabalho ajuizaram, em 19 de maio, ação civil pública contra a empresa Guararapes Confecções S/A, da qual Flávio Rocha é vice-presidente. Segundo nota enviada pela MPF, em 17 de setembro, no perfil que possui no Facebook, que tem mais de 24 mil seguidores, o empresário postou uma carta dirigida à procuradora a quem acusou ser autora de sistemática perseguição veiculada por denúncias infundadas à Delegacia do Trabalho, animadas exclusivamente por sentimento de ódio e para favorecer seus concorrentes.
Segundo afirma o MPF, utilizando outras redes sociais, o empresário chamou Ilena Neiva de “louca”, “perseguidora” e “exterminadora de empregos”, chegou ainda a sugerir a retirada da procuradora. “A proposta é simples. Tirem a Dra. Ilena Mousinho de nossa vida e nós vamos transformar o RN”, propagou Flávio Rocha. Ainda de acordo com o MPF, nas mensagens, Rocha sugeriu que as condutas da procuradora visam beneficiar os supostos concorrentes da Guararapes, já que tais exigências não estariam sendo feitas às demais empresas.
“Mais uma vez, Flávio Gurgel Rocha atribuiu à procuradora regional do Trabalho ser autora de comportamento típico de natureza penal, consistindo além de crimes de abuso de autoridade, previstos expressamente na Lei nº 4898/1965, no crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Pena”, destaca a denúncia do Ministério Público Federal.
O crime de prevaricação consiste em deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra a disposição expressa em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
O MPF afirma que o empresário lançou nas redes sociais as campanhas denominadas “mexeucompainhomexeucomnostudinho” e #exterminadoradeemprego. O Ministério Público Federal diz que Flávio Rocha convocou uma manifestação em frente à sede do Ministério Público do Trabalho, que aconteceu em 21 de setembro. “O expediente da Procuradoria teve que ser reduzido, por questões de segurança. O denunciado postou frases como ‘o nosso povo está animado…’, ‘entendeu o recado, doutora?”, diz a nota enviada pelo órgão ministerial à imprensa.
Para o MPF, a ação civil pública movida pelo grupo de procuradores do qual a procuradora Ileana Neiva Mousinho é integrante deve ter como arena própria de debate o processo judicial. Além disso, o órgão ressalta que não é contrário a qualquer forma de manifestação de liberdade de expressão, entretanto, o empresário teria transbordado os limites constitucionais, atingindo deliberadamente a honra de servidora pública no exercício da função.
“As ações promovidas pela procuradora regional do Trabalho são decorrentes do exercício de sua atividade institucional, em defesa dos direitos coletivos dos trabalhadores, sempre instrumentalizada por meios de provas, submetendo suas imputações ao diálogo e à possibilidade de ser firmado compromisso de ajustamento de conduta entre as partes (MPT e empregador) – dentro dos parâmetros legais – ou ao amplo contraditório, no âmbito da Justiça do Trabalho”, afirma a denúncia do MPF.
Ação civil pública
De acordo com o MPT, a ação contra a empresa Guararapes visa a responsabilização da Guararapes quanto aos direitos trabalhistas de empregados das facções de costura localizadas no interior, que prestam serviço terceirizado à indústria. Ainda de acordo com o órgão, a ação não é contra as facções, nem questiona a licitude da terceirização, mas a ‘existência de subordinação estrutural e responsabilidade solidária’.
De acordo com o órgão, o pedido de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 37,7 milhões, corresponde a parte do lucro obtido com o trabalho das facções. O lucro líquido consolidado do grupo, ainda de acordo com o MPT, teria sido de R$ 317,6 milhões em 2016. Em caso de condenação, o dinheiro deverá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.
A ação foi aberta após realização de inspeções em mais de 50 pequenas indústrias de 12 municípios ligadas ao programa Pró-sertão, que incentiva a produção têxtil no sertão potiguar, especialmente na região Seridó. Pelo menos 17% das operações da Guararapes são terceirizados por meio dele.
Atualmente o preço das costuras das peças seria fixo em R$ 0,35. De acordo com o MPT, os contratos são firmados unilateralmente, como uma espécie de adesão das pequenas empresas e devido à diferenças entre os custos operacionais e o preço pago, muitas facções já teriam fechado.
A ação do MPT gerou uma reação em cadeia de empresários, representantes públicos e funcionários de pequenas fábricas de confecção que terceirizam a produção para a companhia no interior do estado. Até o governador Robinson Faira (PSD) entrou no debate. Além de alegarem perseguição, empresários e políticos argumentam que a ação coloca em risco empregos gerados no interior do estado, por meio dessa terceirização.
O outro lado
Através da assessoria de imprensa, o empresário Flávio Rocha defendeu que a teoria de subordinação estrutural defendida pelo MPT-RN não se aplica neste caso. Segundo ele, o caso se trata de uma negociação entre empresas independentes: a Guararapes e outras empresas do segmento de moda com 120 oficinas de costura localizadas no Rio Grande do Norte. “As oficinas de costura são empresas com configuração jurídica própria e autonomia na condução de seus negócios e de seus funcionários. Inclusive, é decisão das oficinas de costura para quais marcas vão produzir – muitas não fornecem para a Guararapes e outras fornecem para empresas além da Guararapes e têm marcas próprias”, diz a nota enviada pela assessoria.
No mesmo comunicado, o empresário afirma que as oficinas de costura cumprem a legislação trabalhista. “Pelo Pró-Sertão, as oficinas de costura são obrigadas a cumprir todas as normas trabalhistas previstas em lei, sendo que a fiscalização é feita pela Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX). Ainda assim, a Guararapes promove auditorias frequentes nas 61 oficinas de costura que fornecem para a empresa e, sempre que alguma desconformidade é identificada, a oficina de costura é retirada do cadastro de fornecedores. O cumprimento da legislação trabalhista é condição inegociável da Guararapes ao firmar contratos com seus fornecedores”, alega Rocha pela assessoria de comunicação.
O empresário diz ainda que o Pró-Sertão contribui para a inclusão pela moda ao gerar 5 mil empregos diretos, que beneficiam indiretamente cerca de 50 mil pessoas. De acordo com o que a assessoria de imprensa de Fávio Rocha alega na nota enviada ao G1, aproximadamente 90% das carteiras de trabalho dos trabalhadores das 61 oficinas de costura do Pró-Sertão foram assinadas pela primeira vez. “Além disso, a renda mensal destes funcionários é de no mínimo R$ 942,00 – valor praticado pelo mercado. A Guararapes acredita que a moda pode ser propulsora de desenvolvimento econômico e diminuir a desigualdade do País e, por isso, aderiu ao Pró-Sertão”, finaliza a nota.