O Rio Grande do Norte deverá se tornar o primeiro estado do Brasil – e polo da América Latina – com infraestrutura disponível para estudos que enfocam o uso de recirculação química, com “captura de CO2”, para produção de energia limpa.
Uma planta piloto para realização de experimentos na área será instalada no Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER).
A “Unidade de Recirculação Química (URQ) para Biomassa”, como é oficialmente chamada, está em preparação na Europa, com previsão de embarque para o estado no início do próximo ano.
As informações foram divulgadas pelo Instituto na segunda-feira, 6, data de início do plano de trabalho traçado para a transferência da tecnologia.
Atividades com esse objetivo serão desenvolvidas até 31 de janeiro, na cidade de Zaragoza, na Espanha, por meio de cooperação com o Instituto de Carboquímica (ICB) – centro de pesquisa público vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisa Espanhol (CSIC) e referência mundial em processos que envolvem o uso da recirculação química.
Integrantes da equipe técnica e de pesquisa do ISI acompanharão in loco a montagem, o comissionamento e os testes iniciais com o Instituto europeu, para o envio da estrutura para o Brasil. “Essa é uma parceria estratégica que nós temos, com desdobramentos que analisamos como muito positivos para o meio ambiente e a indústria”, diz o diretor regional do SENAI-RN e do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis, Rodrigo Mello.
“Estudos na área de recirculação química abrem novas perspectivas de aplicação e agregação de valor para produtos de alto potencial energético, como a biomassa, ao mesmo tempo em que apontam caminhos para redução de emissões de CO2, o mais abundante gás do efeito estufa, nos processos produtivos”, acrescenta.
A expectativa, segundo o executivo, é “alavancar projetos na área para que soluções pensadas e desenvolvidas nos laboratórios cheguem o mais breve possível à indústria”.
Tecnologia permite a “captura do CO2”
A recirculação química é uma tecnologia que permite a “captura do CO2” – ou seja, a retenção do gás, em vez da liberação prejudicial à atmosfera, em processos de reforma e combustão de combustíveis fósseis.
Dentro da escala TRL (do inglês Technology Readiness Levels), que vai de 1 a 9 para medir o quão prontos produtos ou processos estão em desenvolvimento para o mercado, ela se encontra no nível 6.
“A expectativa é que a infraestrutura venha para complementar os equipamentos e processos já existentes no Instituto, com o objetivo de captar projetos em novas rotas tecnológicas e contribuir com a ascensão da tecnologia para níveis comerciais”, diz o pesquisador líder do Laboratório de Sustentabilidade do ISI-ER, Juan Ruiz.
A perspectiva é que, com a nova planta, combustíveis sólidos passem a ser utilizados nos experimentos. “O foco será no desenvolvimento tecnológico para gerar energia com captura de CO2, através do melhor aproveitamento dos principais resíduos de biomassa do Brasil”, acrescenta o pesquisador.
Em outra Unidade de Recirculação Química que o SENAI opera em Natal, desde 2014 – infraestrutura também pioneira na América Latina – projetos do ISI com combustíveis gasosos e líquidos, como gás natural, biogás, etanol e glicerina têm avançado nos últimos anos e servem de base, por exemplo, para o desenvolvimento atual de um combustível sustentável de aviação que busca reduzir as emissões de CO2 do transporte aéreo brasileiro.
A nova unidade, para combustíveis sólidos, tem o objetivo de ampliar o desenvolvimento dessa tecnologia a partir de 2024. “Mesmo se tratando de uma tecnologia ainda em desenvolvimento, a recirculação química já se mostrou bastante versátil com relação às fontes de combustíveis que podem ser usadas (gás, líquido ou sólido) e aos processos que podem ser ajustados (combustão e reforma), sendo possível obter, em todos os casos, após processos de separação, correntes concentradas de CO2, as quais podem ser destinadas à captura e/ou conversão de produtos de maior valor agregado”, observa Ruiz.
“Com a implementação da nova Unidade, o Laboratório de Sustentabilidade do ISI-ER se consolida como protagonista na área da Recirculação Química na América Latina, com unidades experimentais capazes de transformar fontes de carbono, em qualquer estado da matéria, em produtos como o hidrogênio, gás de síntese e energia com captura de CO2”, reforça.
Iniciativa prevê capacitação de recursos humanos e operação de nova planta
A aquisição e implantação da “Unidade de Recirculação Química para Biomassas” no Rio Grande do Norte é parte de uma iniciativa que também prevê a capacitação de recursos humanos do SENAI para o desenvolvimento de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) na área.
A iniciativa, financiada pelo Plano de Desenvolvimento de Competências (PDC) do SENAI nacional, é resultado de um projeto que envolve o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), do Rio Grande do Norte, e o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI-BIO), do Rio de Janeiro, sob coordenação do Instituto SENAI de Inovação em Biomassa (ISI Biomassa), do Mato Grosso do Sul.
“O projeto prevê uma parceria entre os Institutos que inclui preparação de pessoal, incremento tecnológico das equipes e a implantação dessa Unidade para combustíveis sólidos”, diz o diretor do SENAI-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello.
O pesquisador Giovanny Oliveira e o técnico de laboratório que atua na automação de processos químicos do ISI-ER, Ciro Lobo, foram designados para conduzir a instalação, o comissionamento e os testes experimentais programados na Espanha. A missão da equipe é captar o conhecimento associado a essa tecnologia e implementá-lo no retorno ao Brasil.
O processo de montagem estrutural, de infraestrutura elétrica, eletrônica e instrumental, além do comissionamento da unidade será acompanhado a partir desta segunda por Lobo. Oliveira, por sua vez, embarca em 1º de dezembro para participação em atividades de comissionamento, planejamento, treinamento em manutenção preventiva e preparação de experimentos posteriores, assim como na separação da unidade em módulos para embalagem e envio ao Brasil.
O pesquisador reforça que estudos com variadas composições de combustíveis passam a ser possíveis com a tecnologia, o que inclui desde bagaço de cana, ou da casca do coco, até esterco suíno e bovino.
Ele explica que “a recirculação química permite o aproveitamento do CO2, captado em alta concentração no processo, para sua transformação em insumos ou para armazenamento de forma geológica, com possibilidade de reutilização em atividades como a do petróleo”.