Uma impressionante conversa captada com autorização judicial e que está nos autos da Operação Cidade Luz desnuda o modo como a corrupção é feita entre o setor produtivo que se corrompe e a parte do poder público que se presta à corrupção.
Segundo o Ministério Público do RN, mais de R$ 22 milhões foram surrupiados da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. Seu ex-titular, Raniere Barbosa, atual presidente da Câmara de Vereadores, foi afastado. Quinze pessoas foram presas, entre auxiliares da gestão municipal e empresários.
A conversa captada é entre Maurício Ricardo de Moraes Guerra, da empresa pernambucana Enertec, e um homem não identificado. A conversa é de 11 de outubro do ano passado. Nela, se escancara a corrupção.
“A gente pega do resultado operacional e dez por cento é do gestor. […] Se tem um gestor que está fazendo um bom serviço pra gente, aí a gente dá participação no resultado”, diz Maurício.
Ao longo do diálogo, de mais de sete minutos, os interlocutores empregam exemplos hipotéticos de como funciona o percentual de propinas pagas na administração pública.
Confira trecho transcrito do material divulgado pelo Ministério Público:
HOMEM NÃO IDENTIFICADO: Se a empresa paga R$ 200.000,00 (duzentos mil) por mês, a gente paga todas as nossas despesas de impostos, gastos e empregados e o que sobra a gente pode chegar de 10% a 15%.
MAURÍCIO: A gente pega do resultado operacional, e 10% é do Gestor
HNI: Estou fazendo mais ou menos assim. Assina um contrato em janeiro, pra começar, nós recebemos janeiro, fevereiro e março e a gente pode pagar o custo operacional e dar pra ele [o gestor] as duas primeiras.
MAURÍCIO: Não é justo, pois não ganha nada.
[…]
MAURÍCIO: A cultura hoje você tem que prestar um bom serviço, tem que fazer a boa obra, tem que fazer dentro do preço certo. O que a gente tem que fazer é se tem um gestor que está fazendo um bom serviço pra gente, aí a gente dá participação no resultado. […] 40% e 60% nos primeiros quatro meses e depois fica normal, nos 10%.
HNI: Como foi a licitação ontem?
MAURÍCIO Ainda tá rolando hoje.
HNI: Onde é? MAURÍCIO diz:
MAURÍCIO: é em Natal.
Superfaturamento
Dados da Controladoria Geral do Município de Natal demonstram que entre os anos de 2013 e 2017, as empresas Alclog, Ancar, Enertec, FGTech, Geosistemas, Lançar, Real Energy e Servlight, todas sediadas em Pernambuco, foram beneficiárias de pagamentos no montante de R$ 73.433.486,86 de contratos com a Semsur. O MPRN estima superfaturamento médio de 30% no valor dos contratos celebrados.
A investigação da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Natal, que contou com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRN, desvendou que os empresários Alberto Cardoso Correia do Rêgo Filho, Allan Emmanuel Ferreira da Rocha, Epaminondas da Fonseca Ramos Júnior, Felipe Gonçalves de Castro, Jorge Cavalcanti Mendonça e Silva, Maurício Custódio Guarabyra e Maurício Ricardo de Moraes Guerra, associados em organização criminosa e fazendo uso das empresas deles, monopolizam os contratos de serviços de iluminação pública da Semsur pelo menos desde o ano de 2013 até os dias atuais mediante controle de mercado, corrupção de agentes públicos, peculato, lavagem de capitais e fraudes nas licitações e contratações diretas. Para o MP, eles integram o “núcleo empresarial” da organização.
Todos eles foram presos.