A escolha de Camilo Santana (PT) para assumir o Ministério da Educação (MEC) é vista como positiva pelos especialistas da área, mas não alcança uma unanimidade. Izolda Cela, atual governadora do Ceará, contava com uma torcida de peso.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), consolidou a escolha somente depois de uma conversa com Izolda, ex-pedetista e, hoje, sem partido, na noite desta segunda (19).
Ela vinha sendo a favorita para chefiar a educação, porém perdeu as chances no momento em que o PT reivindicou o comando do MEC. Camilo é a mais forte liderança do partido no Ceará.
“Sou uma daquelas que preferia a Izolda, foi secretária de Sobral (CE), professora da educação básica e, como secretária estadual, criou o pacto pela alfabetização. Teve um papel importante em tornar o Ceará em um dos estados que mais alfabetiza no país”, afirmou Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV ela esteve na equipe de transição conduzida pelo futuro vice, Geraldo Alckmin (PSB).
“Mas não achei a escolha do Camilo ruim, queria alguém que tivesse experiência em implementação de política educacional, isso demanda habilidade de operar o orçamento com a logística complexa da educação”, completa Costin.
Com a nomeação de Camilo, Lula ofereceu para Izolda a Secretaria de Educação Básica.
A dobradinha chega ao MEC sob prestígio. Segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), 87 das 100 melhores públicas nos anos iniciais do ensino fundamental estão no Ceará.
Das 50 redes municipais mais bem posicionadas nos anos iniciais, 22 são cearenses. Nos anos finais, 16 das 50 são do estado.
Izolda foi uma das responsáveis pela implementação de uma bem-sucedida política educacional no estado e em Sobral, cidade com resultados educacionais consistentes.
“Ela deu o pontapé inicial e ajudou a sustentar as exitosas experiências educacionais de Sobral e do Ceará. Seria uma excelente escolha dadas as suas qualidades e os resultados concretos de sua dedicação à educação pública. Seria também a oportunidade de termos uma mulher no comando do MEC pela primeira vez desde a ditadura militar”, disse Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.
A preferência por Camilo, na opinião de Schneider, deve-se a sua experiência administrativa e política, além do fato de ser uma liderança emergente no PT.
“É um político inteligente e habilidoso, algo extremamente necessário nesse momento em que o titular do MEC precisará negociar com o Congresso e dentro do governo, para liderar a reconstrução da educação brasileira”, afirmou Schneider.
Para Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a escolha de Camilo e Izolda é política e acena a grupos empresariais que atuam na educação.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, uma ala do PT intensificou a pressão contra o nome da governadora por sua proximidade com a Fundação Lemann, organização privada que promove iniciativas para a educação pública e que foi fundada pelo empresário Jorge Paulo Lemann.
“A sinalização por este modelo está ligada com aceno aos grupos empresariais que atuam com lobby na educação, que têm como projeto para a área uma agenda que coaduna com o modelo, essencialmente meritocrático e que tem na educação a perspectiva de capital humano”, disse Andressa.
Santana foi eleito para administrar o estado do Ceará em 2014. Em sua gestão, o estado cearense manteve bons indicadores da educação básica e ampliou o número de escolas em tempo integral. Este último, aliás, será um dos seus principais desafios à frente do MEC.
Segundo balanço do Plano Nacional de Educação feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, apenas 22% das escolas públicas têm, pelo menos, 25% dos alunos em jornada de tempo integral, enquanto a meta é de 50%. O Ceará, com 38%, é o estado mais avançado no índice de escola em tempo integral, mas também está abaixo da meta.
“As políticas de educação integral têm tido uma variação imensa no passar dos anos, porque não têm sido movidas como política de Estado, ficando muito à mercê de trocas de governos e de descontinuidades, e não têm sido financiadas substancialmente”, afirmou Andressa.
Além de acelerar o modelo de escola integral, o futuro governo terá desafios em função dos cortes orçamentários e da crise de comando no MEC ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Camilo é um líder político e um bom gestor, então tomará pé rapidamente do MEC. A expectativa recai sobre os planos para o ministério, esperamos que sejam dedicados ao diálogo com quem constrói a escola pública”, disse Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP.
Para Claudia Costin, a educação vivenciou a sua maior crise nos últimos quatro anos. “Não deram atenção para política educacional, houve uma sucessão de ministros que preferiam travar guerra ideológica com as universidades”, diz ela.
“A nova gestão terá inúmeros desafios, da creche à pós-graduação. Ainda estamos longe de cumprir as metas do PNE, em especial a de crianças matriculadas em creche e a de expansão do ensino integral. Creio que com Camilo e Izolda no MEC a atenção a essas questões será mais eficaz do que nos últimos anos”, afirma Schneider.
Representantes de instituições privadas também demonstraram entusiasmo com a escolha de Camilo.
“A experiência como professor e coordenador educacional e principalmente como gestor público deverá contribuir para que o MEC consiga ampliar o acesso e estimular a diversidade do ensino superior, com políticas que reflitam o consenso entre os setores público e privado”, disse Lúcia Teixeira, presidente do Semesp, entidade que representa as mantenedoras de ensino superior.
Celso Niskier, diretor da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), afirmou que ficou otimista com a escolha. “Temos que recuperar a aprendizagem de milhões de jovens, promover a inclusão de jovens carentes no ensino superior e garantir a formação de mão de obra qualificada para o desenvolvimento econômico do Brasil.”
O presidente da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares), Bruno Eizerik, parabenizou o futuro ministro. “Os desafios são muitos, a recuperação da aprendizagem daqueles alunos que ficaram sem aulas durante a pandemia, a garantia do acesso ao ensino superior e o estudo de parcerias público-privadas para promover o investimento necessário que a educação merece no Brasil.”