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Nova variante Gama-plus está entre nós: saiba mais sobre o vírus turbinado para infectar

No meio de 502 amostras colhidas em maio de brasileiros infectados pelo Sars-CoV-2, cientistas do Genov, um dos maiores projetos de vigilância genômica da América Latina, acabam de encontrar 12 bem diferentes do usual. Em 11 delas, na posição 681 da sequência de 30 mil letras que escrevem a receita genética do vírus da covid-19, um “P” tinha sido substituído por um “H”.

Essa troca foi observada em cinco amostras de Goiás; em duas do Tocantins; em uma de Mato Grosso; em outra do Ceará, também foi achada em Santa Catarina e no Paraná. Já na 12ª amostra, havia um “R” no lugar do velho “P”. É, aliás, a mesmíssima alteração que a variante delta carrega. Então, embora não seja uma descrição muito científica, cá entre nós poderíamos dizer que este último tipinho seria um mestiço de gama com delta. Mas o nome correto é gama-plus e é melhor ficarmos de olho nela.

Isso porque, ao digerir essa sopa de letras, não resta dúvida: a cepa que nasceu em Manaus apresenta agora uma nova versão, completamente turbinada. Afinal, a posição 681 não é qualquer lugarzinho no genoma. Ela está em região nobre, no chamado sítio de furina, que condiciona a velocidade com que o vírus entra nas nossas células.

O que é essa gama-plus

Já existem por aí diversas variantes de gama, cepas com alterações em relação à sua versão original. “Mas são chamadas gama-plus apenas aquelas que têm algo a mais no sentido de aumentar o seu perigo”, ensina o biólogo molecular e virologista José Eduardo Levi, que lidera a área de desenvolvimento e pesquisa da Dasa, rede de saúde integrada que criou o Genov.

Para entender o perigo no caso específico, lembre-se da famosa proteína S, aquela com forma de espinho, usada para o dito-cujo invadir as nossas células. Saiba que ela tem várias regiões ou, melhor, domínios. Até agora o que mais gerou falatório entre eles é o RBD, do inglês receptor binding domain. Isto é, o ponto exato que faz o vírus se agarrar em nossas células. Os anticorpos avaliados como neutralizantes depois de alguém tomar a vacina são aqueles que miram o RBD.

No entanto, de nada adianta o vírus grudar nos receptores celulares se essa proteína espinhosa não é quebrada em dois pedaços, que seriam S1 e S2. Sem isso, nada feito. E a área em que a proteína S é quebrada é justamente o tal sítio de furina —daí o estardalhaço, o “plus”.

“Se você pegar a proteína S do Sars-CoV-1 do passado, que causou a epidemia na China em 2002, ela demorava para se quebrar”, lembra Levi. No Sars-CoV-2 da atual pandemia, essa quebra — ou clivagem — no vírus original de Wuhan já era bem mais rápida. Mas em gama-plus ela deve acontecer em um zás-trás. “Aliás, é o que ocorre com a delta, pela ação dessa furina humana”, comenta o virologista. Sim, uma proteína totalmente customizada para seres humanos.

Toda proteína é uma corrente combinando os 20 aminoácidos existentes no universo. A mudança de um único de seus elos é capaz de criar uma furina melhor, por exemplo — na perspectiva do Sars-CoV-2, isso quer dizer tal qual a nossa, facilitando a quebra ao se aproximar de células humanas. E a furina de gama-plus tem melhorias no que já era bom para o vírus e péssimo para nós.

Teoria da conspiração

“É curioso isso: uma mutação pontual do vírus, mas que leva a uma discussão gigantesca”, diz Levi. De fato. A proteína humanizada do Sars-CoV-2 é o principal argumento da turma que diz que o causador da covid-19 teria sido criado em laboratório.

Se abro espaço para essa polêmica é para tirá-la logo da frente. A ideia de quem acredita em conspiração é de que o Instituto de Virologia de Wuhan teria pegado um vírus de morcego e feito mutações até chegar a uma furina humana. Depois, o Sars bombado teria escapado de lá. Como diz Levi, “apesar de não ser impossível, por haver tecnologia para isso, é bastante improvável que tenha acontecido.”

Relatar que meia dúzia de funcionários do laboratório teve sintomas gripais no inverno de 2019, ora, não quer dizer patavinas. “A evolução do coronavírus tem sido tão rápida e precisa que tudo sugere que um ancestral dele já estava indo por esse caminho”, afirma Levi. Ou seja, o Sars-CoV-2 acabaria ganhando uma furina humana, sem qualquer ajuda de laboratório. Portanto, vamos voltar à realidade. Já temos problemas demais nela — um deles pode se chamar gama-plus.

De volta ao Brasil e ao mundo real

Vamos combinar: com a taxa de transmissão que temos por aqui, facilitamos o trabalho do vírus em evoluir para se tornar imbatível. “O que mais impressiona os virologistas em relação ao Sars-CoV-2 é sua altíssima taxa de convergência”, diz Levi. É esse conceito que explica por que uma mutação de delta aparece na conhecida cepa de Manaus ou gama, transformando-a na versão “plus”. Da mesma forma como a mutação que estava na alfa britânica apareceu na delta indiana.

“Atenção: não foi porque um vírus saiu de um país para o outro, nem os dois se encontraram nas ruas e fizeram uma troca de informações genéticas, tornando-se recombinantes”, esclarece Levi. A convergência é quando mutações semelhantes pipocam simultaneamente em cantos do globo distantes entre si. É como se os vírus, brinco eu, se comunicassem por telepatia, informando uns aos outros aquilo que parece conferir uma vantagem evolutiva. Mas, claro, não existe vírus telepata.

“A pressão de evolução é um funil idêntico para todo e qualquer Sars-CoV-2: ele precisa ser transmitido e precisa escapar da resposta imunológica humana, seja ela natural, seja pela vacina”, explica Levi. “Os vírus que seguem adiante são aqueles que encontram um caminho convergente.” Em outras palavras, um caminho bom para todo e qualquer coronavírus.

Uma mutação positiva para o Sars-CoV-2 até pode surgir ligeiramente antes em um lugar, conforme as condições que ele encontra por ali. “A nossa gama é um coronavírus aprimorado para escapar das nossas defesas”, exemplifica Levi.

Faz sentido: ela surgiu no Amazonas, onde por um bom tempo encontramos a maior soroprevalência do mundo, isto é, a maior proporção de pessoas que já tinham se contaminado. Portanto, para avançar nesse território, gama teria de se virar para driblar um sistema imunológico que já conhecia o Sars-CoV-2 de perto e, portanto, produzia alguma quantidade de anticorpos contra ele.

Já onde a soroprevalência não era tão alta, o vírus concentrou suas mutações no sentido de torná-lo mais ligeiro. Com essa estratégia, delta fincou sua bandeira na Índia. O país, apesar de populoso, tinha até a sua chegada relativamente poucos casos de covid-19.

Mas, lembre-se, o ambiente pode até estabelecer a prioridade do vírus em matéria de evolução. Mas, no final das contas, o que dá certo em um lugar tende a aparecer em outro depois, no fenômeno da convergência. Especialmente quando há pessoas andando por aí com literalmente bilhões de cópias do coronavírus — leu certo, bilhões.

“E vale notar que, com gama, a carga viral já era cerca de 100 vezes maior do que a de outras variantes”, alerta o virologista.Isso significada que, ao longo de um único dia, gama tem 100 vezes mais chances de tentar todas as variáveis possíveis entre as 30 mil posições de seu material genético, trocando uma aqui outra ali.

Deu no que deu. “Algumas linhagens nem vão para frente”, conta Levi. “O vírus que inventa de abortar esse sítio de furina, por exemplo, está fadado ao insucesso.” Aí, nasce e morre no cidadão infectado. Mas gama-plus fez o inverso, melhorou o sítio de furina. E agora precisamos ver no que vai dar.

O risco dos semi-imunizados

Ninguém vai dizer para não tomar vacina —muito pelo contrário. Mas ter gama-plus ameaçando correr solta preocupa um bocado diante de um cenário em que apenas 22,5% dos brasileiros estão totalmente vacinados, com duas doses ou a dose única. E isso não só porque essas pessoas podem adoecer.

Com o vírus entrando mais depressa nas células, pode aumentar a carga viral da cepa gama, que já era impressionante. Assim, devem se multiplicar as oportunidades de criar mutações diariamente. E gama-plus poderá aproveitar o organismo dos semi-imunizados para testar aquelas que a ajudariam a lidar com anticorpos.

“Em suma, quem não tomou a segunda dose dá mais chance ao vírus para aprender a escapar das defesas do quem quem ainda não foi vacinado”, informa Levi. Portanto, as pessoas que estão no meio do caminho da imunização precisam ser ainda mais cuidadosas, em nome do coletivo.

“Neste momento, a vigilância genômica revela toda a sua importância”, opina Gustavo Campana, diretor médico da Dasa. “Não queremos apenas buscar por variantes novas, mas gerar conhecimento sobre como o vírus evolui diante dessas pressões. É nisso que investimos.”

No final do mês, devem sair os resultados da análise aprofundada de mais 1.500 amostras coletadas em junho. “Aí saberemos o quanto a gama-plus ganhou espaço e o quanto ela pode ser perigosa”, diz Levi.

Um detalhe já chama atenção: apesar de avançar, delta não está crescendo entre nós na mesma velocidade observada nos Estados Unidos e no Reino Unido. Uma pista de que gama já não está entregando o seu território com facilidade. E não será gama-plus que irá ceder. Mas, para nós, isso não representa exatamente uma boa notícia.

Fonte: Portal Grande Ponto

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