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RELACIONAMENTO ABUSIVO PSICOLÓGICO, UMA VIOLÊNCIA SILENCIOSA

        Simone de Beauvoir, grande estudiosa sobre o papel da mulher na sociedade, em seu livro O segundo sexo (1949), enfatiza que o destino tradicional oferecido as mulheres pela sociedade é o casamento, uma vez que lhe foi ensinado, desde a infância, a ser um ser obediente e passivo, enquanto espera para entregar-se aos braços do príncipe encantado:

A mulher é a bela adormecida no bosque, Cinderela, Branca de Neve, a que recebe e suporta. Nas canções, nos contos vê-se o jovem partir venturosamente em busca da mulher; ele mata dragões, luta contra gigantes; ela acha-se encerrada em uma torre, um palácio, um jardim, uma caverna, acorrentada a um rochedo, cativa, adormecida: ela espera. Um dia meu príncipe virá… Some day he‘ll come along, the man I love… Os refrães populares insuflam-lhe sonhos de paciência e esperança (BEAUVOIR, 1967, p. 33).

         Sendo assim, a recompensa da mocinha é conquistar um coração masculino, pois foi isso que lhe foi repassado, durante séculos, pela sociedade patriarcal[1]. Dessa forma, muitas mulheres acabam por acreditar que a sua vida só terá sentido a partir do momento no qual ela terá um homem ao seu lado no altar, isso acontece porque o sexo feminino foi criado para achar que o casamento é algo muito importante, a maior realização na vida de uma mulher.

         A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie afirma que “O casamento pode ser uma fonte de alegria e amor e apoio mútuo, mas por que nós ensinamos as meninas a aspirarem pelo casamento e nós não ensinamos o mesmo aos meninos?” Tendo em vista essa educação patriarcal tóxica, e a pressa de encontrar um companheiro, mulheres no mundo inteiro acabam por envolvem-se com parceiros agressivos e doentios (no início eles mostram-se passivos e amorosos), e não conseguem sair do relacionamento, uma vez que serão apedrejadas pela opinião social, ou, em muitos casos, sofrem ameaças por parte do parceiro.

         Uma das violências, na qual algumas atitudes são vistas como normal, em muitos casos, pela nossa sociedade, é a violência psicológica que acontece dentro de um relacionamento abusivo ( Segundo a psicóloga Raquel Silva, Um relacionamento abusivo é caracterizado pelo excesso de poder de uma pessoa sobre a outra dentro de um relacionamento afetivo, no qual um parceiro extremamente ciumento quer controlar as atitudes e decisões do outro, tentando isolá-lo do restante do mundo). No início, é difícil perceber os abusos psicológicos, tendo em vista que o abusador justifica que tudo o que ele faz é por amor. Além disso, ele coloca a sua parceira dentro de um jogo psicológico no qual ele a faz acreditar que ela, a vítima, é a própria culpada pelas agressões que sofre.

        O relacionamento abusivo, infelizmente, é romantizado em nossa cultura através da mídia, do cinema, da literatura, da TV e da música. No cinema, podemos citar a trilogia do filme Cinquenta tons de Cinza no qual os sentimentos de ciúme, manipulação e controle obsessivo são romantizados e tidos como prova de amor. Isso pode ser muito perigoso para as jovens adolescentes que podem enxergar no protagonista da estória uma figura afetiva a qual buscar na vida real. Na literatura brasileira, temos Dom Casmuro (Machado de Assis) e a sua obsessão e ciúme doentio por Capitu.

            Na violência psicológica o parceiro produz a vulnerabilidade da mulher baixando a sua autoestima, a fazendo duvidar da sua sanidade mental com frases, como: “Você está louca, isso nunca aconteceu. É coisa da sua cabeça”, também a faz descrer de si mesma e das suas capacidades profissionais, ele consegue afastá-la dos amigos e dos familiares, a vítima muda o seu estilo de vida, e crê que não é uma parceira boa o suficiente para ele.  Além de fazer sexo mesmo estando sem vontade só para agradá-lo. Às vezes a mulher só se dá contar que está em uma relação afetiva abusiva quando chega ao ponto de ser agredida fisicamente.

          É perceptível que essa violência revigora devido as estruturas das relações que produzem a submissão da mulher como reflexo da herança e do contexto patriarcal que tem a figura da mulher como sua serva, sua posse.

          Portanto, violência não é somente aquilo que pode ser visto, como a física e a sexual. Existe a violência silenciosa que deixa marcas profundas no psicológico da vítima para o resto da vida. É inegável que a agressão psicológica traz sérios impactos a saúde da vítima. É importante que em um relacionamento amoroso haja respeito mútuo, caso você perceba que está começando a ser desrespeitada como pessoa, companheira ou mulher está na hora de rever, por respeito a si mesma, se você necessita realmente dessa pessoa em sua vida. Apesar de tudo que nos foi ensinado, partindo da cultura patriarcal, nós temos todo o direito de não almejar um casamento, de não querer ser mãe e de aspirar estar sozinha.

[1] Patriarcado é um sistema social em que homens mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades. No domínio da família, o pai mantém a autoridade sobre as mulheres e as crianças. Nessa sociedade, o papel da mulher restringe-se a secundário, sendo visto como sexo frágil que serve apenas para cuidar do lar. A mulher não tem voz e nem espaço nesse sistema.

Sidy Batalha -Sidileide Batalha do Rêgo, mais conhecida como Sidy Batalha, é professora de Língua Portuguesa, Mestra em Letras e autora dos livros O Lago (2016) e Lábios Vermelhos (2019). É ativista feminista e luta contra a agressão a mulher. Além de ser escritora premiada por duas academias de letras do RN.


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