Na pequena casa no alto da comunidade do Vale dos Eucaliptos, em Senador Vasconcelos, Zona Oeste do Rio, dona Jurani Mange, de 65 anos, mexe o arroz que cozinha lentamente no fogão à lenha improvisado. A madeira seca já era uma saída utilizada quando faltava dinheiro para comprar o botijão.
Há mais de um ano, no entanto, seu fogão a gás quebrou e o jeito foi se adaptar. Com o empobrecimento da população, um quinto das famílias brasileiras já usa lenha ou carvão para cozinhar, mostra a pesquisa Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE.
Minha vista embaça e dói toda vez que mexo com o fogo. Mas não tem para onde correr, pois não tenho como comprar um fogão novo — lamenta Jurani.
São 14 milhões de lares preparando alimentos dessa forma, um aumento de 27% ou de três milhões de domicílios entre 2016 e 2018. No Sudeste, a expansão foi maior, de 60%.
A crise econômica prolongada e os aumentos do desemprego e do preço do botijão de gás explicam esse salto. Entre 2016 e 2018, período contemplado pelo levantamento, o gás de cozinha acumulou alta de 24% e a taxa média de desemprego passou de 11,5% para 12,3%.
— É um sinal claro de empobrecimento da população — resume Luis Henrique da Silva de Paiva, cientista social do Ipea.
Alguns metros abaixo da casa de Jurani, Patrícia Aguiar, de 24 anos, cata gravetos secos e pedaços de plástico no chão do quintal, com a filha de 1 ano no colo. O que poderia ser considerado lixo é amontoado e forma uma pequena fogueira, que é acesa com fósforos cedidos pelo vizinho. Sobre o fogo, a jovem equilibra uma grelha e uma panela, onde cozinha o último punhado de arroz do armário.
Desempregada, como o marido, viu seu último botijão de gás, doado pela sogra, acabar no mês passado. Até algumas semanas atrás, usava fogão à lenha, mas o vendeu por R$10 para comprar comida para os três filhos.