Em depoimento obtido pela GloboNews com exclusividade, ex-governador diz que pagou propina a Cláudio Lopes em troca de proteção. Defesas dos citados negam as acusações.
Um depoimento do ex-governador Sérgio Cabral, ao qual a GloboNews teve acesso com exclusividade, leva o Ministério Público do Rio (MPRJ) e o Poder Judiciário para o centro da Lava Jato no estado. Cabral confirmou que pagou propina ao ex-procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes e citou nomes de outros integrantes do MP e de desembargadores. Ele deu detalhes de como negociou cargos para se livrar de investigações.
Lopes comandou o Ministério Público do Rio entre 2009 e 2012. Ele foi preso em novembro de 2018 acusado de receber cerca de R$ 7 milhões em propina para blindar a organização criminosa chefiada por Cabral, já condenado por nove vezes, com penas quem somam 198 anos de cadeia.
O depoimento aconteceu no dia 25 de março no Complexo Penitenciário de Bangu, onde Sérgio Cabral está preso. O MP ouviu o ex-governador sobre o processo que investiga Lopes. O advogado do ex-procurador disse que as declarações de Cabral não merecem credibilidade.
No mesmo depoimento, Cabral disse ter nomeado dois desembargadores ligados a outro ex-procurador do RJ, Marfan Vieira, em troca do arquivamento da investigação no episódio que ficou conhecido como a “farra dos guardanapos”. Na ocasião, secretários de Cabral e empresários foram fotografados com guardanapos na cabeça durante um jantar em Paris, em 2009.
Em nota, Marfan declarou que as “imputações formuladas pelo ex-governador não coincidem com a cronologia dos fatos narrados e não merecem qualquer credibilidade”.
Investigação contra Cabral foi Arquivada
No depoimento, o ex-governador disse que, entre 2004 e 2005, época em que ainda era senador, Lopes foi até seu gabinete em Brasília. No encontro, Lopes teria dito que Cabral “provavelmente” seria eleito governador nas eleições de 2006 e pediu o apoio dele para ser nomeado procurador-geral do MPRJ.
Em troca da nomeação ao cargo de procurador-geral de Justiça, Lopes prometeu, segundo o ex-governador, arquivar uma investigação que tramitava contra Cabral no Conselho Superior do MPRJ desde 1998.
A investigação havia sido aberta depois de Cabral ter sido acusado de corrupção pelo então governador Marcello Alencar, que teve mandato entre 1995 e 1998.
Cabral diz que essa acusação foi feita porque ele – que na época era deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) – se opôs à venda da Companhia de Água e Esgotos do RJ (Cedae) faltando apenas dois meses para o fim do governo de Alencar.
“Bom, diante disso, o Marcello Alencar, por eu ter impedido [a venda da Cedae], me agrediu, me acusou da casa em Mangaratiba, que foi a primeira casa que eu tive, ter sido comprada com dinheiro de corrupção (…)”, disse Cabral no depoimento.
“Ele [Lopes] era membro do Conselho Superior e que seria o voto de minerva (…). Me descreveu os votos de cada um (…). Em seguida, me disse: ‘Eu sou candidato a procurador-geral do Ministério Público e acho que você vai ser o governador do estado, gostaria de contar com o seu apoio’. Eu disse: ‘Olha, eu te agradeço pelo voto, pelo arquivamento, não vou esquecer disso, vou ficar muito grato e, se eu puder ajudar, ajudarei. Eu tenho o princípio de, do mais votado, mas eu ajudarei’.”
O ex-governador foi perguntado pelos promotores se soube qual foi o voto de Cláudio Lopes: “O voto dele foi favorável a mim, pelo arquivamento”.
Cabral diz ter oferecido R$ 200 mil a Lopes
Segundo Cabral, depois do voto pelo arquivamento do processo, aconteceu um jantar na casa de Cláudio Lopes, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio.
“E ele, percebendo que Marfan [Vieira, ex-procurador-geral], ia ser reeleito, me pediu: ‘Olha, eu queria que você falasse com o Marfan que, caso eu perdesse, eu fosse pro comando da Procuradoria, porque ele não será candidato a reeleição, e aí eu vou disputar’. E, aí, o Marfan honrou a palavra e o colocou como subprocurador, apesar de ele ter disputado contra o Marfan”, disse Cabral.
Marfan Vieira foi procurador-geral de Justiça entre 2005 e 2007 – e depois reconduzido ao cargo até 2009.
Segundo Cabral, no primeiro semestre de 2008 Lopes voltou a procurá-lo, desta vez no Palácio Guanabara, sede do governo do estado, para dizer que disputaria a eleição para procurador-geral no ano seguinte.
“E [Lopes] disse: ‘Olha, eu preciso da sua ajuda… No Palácio Guanabara… Eu preciso da sua ajuda financeira, porque essa campanha é uma campanha difícil’. Na verdade, ele não disse com essas palavras, disse: ‘Olha, tem muito jantar de muitos gastos, e eu não tenho esses recursos. Eu tenho um grupo de amigos que me ajuda, mas isso não vai ser suficiente. Eu preciso que você… Eu precisaria de uma ajuda’.”
Segundo Cabral, não foi um pedido explícito. No depoimento, o ex-governador descreveu:
“Foi enviesado, né? Eu disse: ‘Bom, eu posso te ajudar’. Ele falou: ‘Poxa, seria ótimo’. ‘O que que você acha de R$ 200 mil?’ Ele falou: ‘Pô, tá excelente’. Tanto que o Carlos Miranda menciona R$ 300 mil. Porque isso, também em 2008, foi objeto de outro apoio que eu dei a um outro operador do direito, que não é do Ministério Público”.
Carlos Miranda é apontado pela Lava Jato como o principal operador financeiro de Cabral, responsável pela contabilidade da propina da organização criminosa. Miranda fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF).
Os promotores perguntaram se Cabral poderia identificar o outro operador citado, mas o ex-governador preferiu não falar o nome. No depoimento, ainda contou que R$ 300 mil saíram do caixa da propina administrado por ele e por Miranda.
Propina entregue por Cabral
O ex-governador disse que, no caso de Lopes e do operador não identificado, era ele próprio, Cabral, quem fazia as entregas do dinheiro vivo. A prática era diferente da adotada com outras pessoas que recebiam propina do grupo.
“Pra mim foi um pouco constrangedor. Mas diante de, no caso, duas pessoas, tanto o procurador, candidato a procurador-geral e a outra pessoa… [Eu disse:] ‘Tá bom, se é assim que vocês querem, tudo bem’. E assim eu fiz, em momentos distintos, né? Aí, ele [Lopes] se elegeu por quatro votos de diferença, me ligou no dia da eleição. E, aí, ele tomou posse em janeiro de 2009”, disse Cabral.
Lopes e Marfan Negam
O advogado de Lopes disse que as declarações de Cabral não merecem credibilidade porque ele já apresentou inúmeras versões para os mesmos fatos, inclusive em contradição ao que disseram outros acusados e testemunhas.
A nota diz ainda que, levado pelo desespero, Cabral é capaz de dizer qualquer coisa, ainda que não seja verdadeira, para amenizar sua situação perante a justiça criminal.
Já Marfan declarou, em comunicado, que o depoimento de Cabral está cheio de contradições e mentiras. “As imputações formuladas pelo ex-governador não coincidem com a cronologia dos fatos narrados e não merecem qualquer credibilidade”, disse.
“A acusação é leviana e atinge a honra e imagem do procurador Marfan Vieira, dos desembargadores e dos membros do Conselho Superior do Ministério Público, que é citado de modo pejorativo.”