Nesta semana, vimos mais um capítulo da guerra total que está sendo travada entre o Supremo Tribunal Federal e a Operação Lava Jato. Talvez tenha sido a batalha mais importante de todas. O STF perdeu e se fragilizou ainda mais. Já há algum tempo que o supremo não é mais tão supremo assim.
Conto para quem ainda não sabe:
Dois jornais, vinculados à extrema direita e especializados na produção de fake news em escala industrial, publicaram informações vazadas da Operação Lava Jato. Dias Toffoli, presidente da Suprema Corte, é mencionado como participante de esquema de corrupção envolvendo a construtora Odebrecht.
Afobado e assustado, Dias Toffoli pediu ajuda ao colega Alexandre de Moraes. Os dois juntos colocaram os pés pelas mãos e censuraram as revistas, violando todos os preceitos constitucionais que garantem a liberdade de imprensa.
A reportagem trazia uma delação em estado bruto, sem nenhum suporte comprobatório, como é procedimento típico da aliança firmada entre a Lava Jato e a imprensa, que hoje é a força mais poderosa do sistema político brasileiro.
Quando os alvos eram Lula e Dilma, o STF silenciou, se omitiu, achou melhor não confrontar os operadores que contavam com grande apoio da opinião pública. A Lava Jato cresceu, cresceu e, ao que parece, tornou-se mais suprema que o próprio supremo.
Bastava um processo por difamação, reivindicando reparação por danos morais. Mas quando os ministros, passando por cima de todos os ritos previsto em lei, ordenaram a derrubada das reportagens, aqueles que são conhecidos pelo jornalismo desonesto e falacioso foram alçados à condição edificante de censurados e perseguidos.
A Lava Jato venceu a narrativa!
Se a reportagem era, de fato, uma fake news, tornou-se uma questão menor. O país inteiro só falava que dois ministros supremos censuraram a imprensa. O caso está com Edson Fachin, que tem uma batata quentíssima nas mãos. Se aliviar a barra dos colegas, vai junto pra vala comum. Se encaminhar a questão para a plenária da Corte (o que provavelmente será feito), não haverá meio termo: ou os ministros entregarão em bandeja de prata a cabeça de dois dos seus ou agirão com espírito de corpo e se tornarão alvo da artilharia pesada que já está montada e muito bem municiada.
Seja qual for o resultado, o STF foi derrotado. Uma derrota dura e com consequências imprevisíveis.
Politicamente, os operadores da Lava Jato são muito mais inteligentes que a maioria dos ministros do STF. Têm “know-how”, foram treinados para isso. Alexandre de Moraes e Dias Toffoli morderam a isca, fizeram exatamente aquilo que a Lava Jato queria e, sim, cometeram crime de responsabilidade.
Se a Lava Jato conseguir derrubar dois ministros do Supremo Tribunal Federal, tomará de assalto a instituição mais importante da República. Duas vagas estarão disponíveis. Não faltariam candidatos: Marcelo Bretas, Sérgio Moro, Dallagnol.
A pergunta que fica é: como chegamos nesse ponto? Como a crise institucional se agravou tanto?
Primeiro, é importante saber que as democracias não morrem do dia para a noite. A decadência começa aos poucos, e vai se espalhando como câncer em movimento de metástase.
As democracias começam a morrer quando a política passa a ser tutelada por atores que não estão diretamente submetidos à soberania popular. É exatamente isso que está acontecendo no Brasil desde 2005, quando o próprio STF utilizou a Ação Penal 470 para arbitrar um conflito que pertencia ao mundo da política, e nele deveria ser resolvido.
A democracia começou a morrer quando o STF atropelou o direito com a teoria do domínio do fato. A democracia começou a morrer quando Rosa Weber disse, com a tranquilidade típica dos tiranos, “condeno mesmo sem provas”.
Desde então, o STF é personagem com presença constante no noticiário exibido em horário nobre, um pouquinho antes da novela das oito. Os brasileiros minimamente atentos à crônica política conheceram os nomes dos 11 ministros da Suprema Corte. A opinião pública passou a monitorar a atuação do órgão que tem a prerrogativa de manter-se olimpicamente acima da sociedade, zelando pela manutenção do marco civilizatório.
Somente assim, é possível que o Supremo seja, de fato, supremo, que reúna condições para, quando necessário, contrariar a opinião pública.
Uma das principais funções do Supremo é, exatamente, contrariar a opinião pública. Nem sempre a vontade da maioria é a vontade da lei. A democracia morre definitivamente quando o Supremo Tribunal Federal passa a ser monitorado e fiscalizado como se fosse um vereador de bairro.
Agora, o STF terá que tomar uma das decisões mais difíceis de sua história diante de uma opinião pública indócil que ele mesmo alimentou com sangue e vísceras por mais de dez anos.
“Não podemos deixar o ódio entrar na nossa sociedade”, disse Dias Toffoli. Já entrou, já tomou conta de tudo.
No começo era festa. Os ministros eram aplaudidos no aeroporto. Máscaras com o rosto de Joaquim Barbosa se tornaram moda de Carnaval. Mas como nem tudo na vida são flores, sob os holofotes, os gemidos nunca são apenas de prazer. Como diria o poeta baiano das camisas floridas e das ideias confusas, há dor e delícia em ser o que é.
Chegou a hora de gemer de dor.