Ao ceder à pressão conservadora e hesitar na indicação de Mozart Ramos para o ministério, o presidente eleito se mostra, mais uma vez, refém de ideologia
Depois da política externa, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, volta a se tornar refém da ideologia noutra área: a educação. Por pressão da bancada evangélica depois que o convite vazou, hesita em chamar para seu ministério Mozart Neves Ramos, diretor de inovação do Instituto Ayrton Senna.
Ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-secretário da Educação daquele estado, Mozart é um dos profissionais mais respeitados no setor, com trânsito nos setores púbico e privado, solidez acadêmica e capacidade de gestão comprovada.
Promoveu nas escolas pernambucanas uma das mais bem-sucedidas reformas educacionais do país. Também já liderou o projeto Todos pela Educação, uma iniciativa de empresas para resgatar a qualidade do ensino no Brasil.
É alvo de ataques frequentes de sindicatos e de partidos de esquerda, por defender uma visão liberal do ensino, em que os professores são avaliados regularmente, cobrados por metas, premiados (ou punidos) de acordo com o resultado apresentado por seus alunos.
Mas nem esse currículo estelar, nem a competência comprovada, bastam para os setores mais aguerridos do bolsonarismo, que têm pela educação uma espécie de fetiche. A bancada evangélica e o movimento Escola sem Partido consideram que a sala de aula deve ser protegida da “pregação ideológica” de esquerdistas e daquilo que chamam “ideologia de gênero” (na prática, aulas de orientação sexual).
É inegável que está disseminada, nas escolas e nos livros didáticos, uma visão da história contaminada por um marxismo pedestre e por uma ignorância profunda dos elementos mais básicos de economia. Também é verdade que viceja entre professores certo desprezo pela educação religiosa e pela visão conservadora do sexo e da moral.
Mas esse problema é marginal diante da verdadeira praga que assola a educação brasileira: a baixa qualidade. Dois terços dos alunos são incapazes de resolver questões triviais de aritmética ou compreensão de texto. Só metade dos jovens em idade escolar termina o ensino médio.
Por mais que haja pregação ideológica nas escolas, acreditar que o problema da nossa educação sejam o professor barbudinho de geografia fazendo catequese marxista ou aquele outro que quer “ensinar seu filho a ser gay” (como se isso tivesse algum sentido) é um erro de diagnóstico brutal.
Mais que isso, a solução proposta pelo Escola sem Partido viola um direito fundamental: a liberdade de expressão do professor em sala de aula. Constranger ou impôr um clima de vigilância aos mestres, pregar cartazes com regras inócuas na parede é a resposta errada à questão. Recende aos piores momentos dos regimes autoritários, que sempre tentaram controlar o pensamento onde ele nasce: a escola.
A resposta correta, como comprova toda a carreira de Mozart, é investir na formação, na avaliação e na capacitação contínua dos docentes. É garantir que dominem o conteúdo didático e saibam moderar suas análises de modo a contemplar diferentes visões de mundo.
Não se faz isso por lei.
Ao contrário. Uma lei como o projeto Escola sem Partido pode, a pretexto de garantir o equilíbrio, abrir espaço para o obscurantismo, ao legitimar o ensino de temas caros a públicos religiosos ou alternativos, como criacionismo, contestações à eficácia das vacinas e que tais.