Única governadora mulher eleita, petista diz que seu desafio é equilibrar contas e melhorar segurança
Aos 63 anos, a governadora eleita do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), será a única mulher a governar um estado brasileiro na próxima legislatura e a terceira mulher a ocupar o governo potiguar.
Em conversa com a Folha, ela falou dos desafios de gerir um estado que vive uma grave crise financeira e é o mais violento do Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de de Segurança Pública.
A petista ainda avaliou o desempenho de seu partido nas eleições deste ano, exaltou Fernando Haddad e lamentou a falta de apoio de Ciro Gomes (PDT) no segundo turno da eleição presidencial
A senhora foi eleita governadora num estado conhecido pela força de clãs familiares. O que esta vitória representa? Fiquei muito emocionada com o desfecho da eleição. Essa vitória rompe um ciclo de governadores ligados a oligarquias que perdurou por décadas e, pela primeira vez, teremos uma governadora de origem popular. Venho de família pobre e das lutas dos movimentos sociais. Seja como professora, como deputada ou senadora, sempre tive a vida pautada pela honestidade e pelo espírito público. O Rio Grande do Norte soube reconhecer esta luta ao me conceder aquilo que é a procuração mais especial da minha vida. Chegamos ao governo com força política e respaldo popular.
O Rio Grande do Norte vive graves problemas fiscais e na segurança pública. Como enfrentá-los? O estado vive uma crise muito grave com a desorganização das contas públicas, o governo sequer consegue ter um calendário de pagamento dos servidores em dia e a capacidade de investimento é zero. A política de segurança é uma tragédia e, não à toa, o Rio Grande do Norte é lamentavelmente o estado mais violento do Brasil. Nós vamos trabalhar para superar isso porque a população tem pressa. Vamos adotar um conjunto de medidas para reorganizar as contas públicas, com equilíbrio fiscal e financeiro. Na questão da segurança, temos um conjunto de medidas consistentes para combater a violência com todo o rigor. Vamos garantir a paz e a tranquilidade da população, até porque somos um estado cuja economia tem o turismo como uma de suas vertentes. Para fortalecer o turismo, precisamos melhorar a segurança.
Como a senhora avalia o desempenho do PT na eleição deste ano? No contexto de uma eleição tão polarizada, e de toda a ofensiva que existiu contra o PT, acredito que o nosso partido sai das eleições com um resultado que não pode ser desprezado. O exemplo disso é que o PT conseguiu eleger a maior bancada na Câmara dos Deputados. Agora vamos tocar a vida para frente.
No segundo turno, a senhora construiu um frente ampla, atraindo inclusive o apoio do PSDB. Na sua avaliação, por que o PT não conseguiu replicar esta frente nacionalmente? Uma coisa é o contexto regional, outra é o nacional. Havia uma forte grau de polarização nacionalmente e isso se expressou na campanha. [Fernando] Haddad foi vítima de fake news e de uma onda de antipetismo que acabou afetando a sua campanha. Acredito que conseguimos unir uma parte do campo popular democrático. Infelizmente, não funcionou do jeito que nós gostaríamos, já que Ciro Gomes se ausentou desse processo.
Mas a senhora não acredita que este cenário é resultado de arestas que foram criadas pelo próprio PT? Tínhamos uma eleição em dois turnos. E o PT, com toda a capilaridade que tem e dada a perseguição contra o ex-presidente Lula, que foi condenado de forma arbitrária para ser retirado da sucessão presidencial, tinha todo o direito de ter candidato. Seria até insensato achar que o PT não tinha o direito de ter uma candidatura própria. Haddad é um excelente quadro, mostrou coragem durante a campanha e deu a sua contribuição. Acho que Ciro cometeu um grande equívoco do ponto de vista histórico. Se fosse ele que chegasse ao segundo turno, o PT não teria pestanejado em apoiá-lo. Estaríamos nas ruas de todo o país defendendo o nome dele.
Acha que Haddad é o nome que, dentro do PT, deve liderar a oposição ao governo do presidente eleito Jair Bolsonaro? Ele demonstrou sabedoria e sensibilidade do ponto de vista político. Foi um nome que representou à altura os sonhos e esperanças não só do PT, mas de parcelas expressivas da população brasileira. A despeito de tudo, chegou a quase 45% dos votos. Penso que ele tem toda uma trajetória pela frente não só dentro do PT, mas dentro deste arco que forma o campo democrático e popular. Tem tudo para se fortalecer como uma liderança muito importante do nosso campo.
Qual sua expectativa em relação ao governo Bolsonaro? E como deve ser sua relação, como governadora, com o novo presidente? Vamos ter um relacionamento institucional. Antes de mais nada, temos que ser todos nós escravos da Constituição e da soberania popular. Espero que ele preserve as liberdades e os direitos à luz da nossa Constituição cidadã. E que tenha um tratamento republicano, que trate os estados nordestinos, assim como os demais estados da Federação, com o respeito que se espera de um presidente da República. E esperamos que o Brasil volte a trilhar o caminho do desenvolvimento econômico e social, assim como foi nos governos no presidente Lula.
A senhora será a única governadora mulher na próxima legislatura. Como vê o desafio para maior participação das mulheres na política? O Rio Grande do Norte tem uma tradição de protagonismo na participação das mulheres na política. Tivemos o primeiro voto feminino do país, a primeira prefeita eleita, somos a terra de Nísia Floresta [escritora, uma das pioneiras do feminismo no Brasil]. É claro que há um simbolismo muito grande em termos a única governadora mulher. Por outro lado, isso evidencia o quanto o processo de participação das mulheres nos espaços de decisão e de poder precisa avançar. Temos um sistema político e eleitoral anacrônico, que não garante paridade e sem instrumentos efetivos que garantam a participação das mulheres. Fico muito triste em reconhecer o quanto o mundo da nossa política ainda é machista.