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Falsos moralistas: os novos capitães do mato

Por Eduardo Silveira de Menezes (*)

   Não faz tanto tempo. Apenas no final do século XIX, a escravidão deixou de ser regida por uma legislação que dava aspecto de legitimidade a um crime hediondo. Hoje, o trabalho escravo consta no código penal brasileiro, mesmo existindo um forte lobby, por parte da bancada ruralista e de setores do empresariado, para que ocorra o abrandamento da fiscalização. As leis mudaram – e seguem mudando –, mas, infelizmente, a mentalidade escravocrata se mantém viva no imaginário de uma parcela considerável da população brasileira, que acostumou-se a ignorar o óbvio. Não é só porque “está na lei” que um suposto “direito” é justo e moralmente aceitável. A escravidão não é – nem nunca foi – justa, mas já se caracterizou como um “benefício” assegurado às classes dominantes. É assim que, ao longo da história, o argumento “legalista” tem servido para validar um crime cometido por mais de três séculos no Brasil.

Embora tenha havido luta e resistência pela libertação dos escravos, a chamada “abolição” só veio por meio de um “canetaço”. A realidade social do país, nessas primeiras décadas do século XXI, nos revela as consequências desse processo; afinal, ao “abolir a escravidão”, os nobres senhores não tiveram qualquer tipo de preocupação em integrar os negros à sociedade. Mesmo assim, até os dias de hoje, ainda existem aqueles que se posicionam contrários às políticas de cotas, nas universidades e seleções públicas. No fundo, eles sabem que o “fim” das senzalas representou o mero advento das favelas, mas não querem pensar à respeito. Negar a influência do racismo no acesso à educação e ao mercado de trabalho é uma das falácias preferidas dos falsos moralistas. Eles também costumam propagandear que todos têm as mesmas oportunidades, que basta o “esforço individual” para se chegar onde quiser na vida. São os mesmos que condenam o Estado, advogam pela sua redução, mas, curiosamente, não abrem mão de seus deficitários serviços e, caso tenham uma oportunidade, usam de todo e qualquer argumento para justificar suas pretensões em ocupar cargos eletivos.

Os falsos moralistas perderam a vergonha de se manifestar desde que saíram às ruas para legitimar a farsa do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Acontece que não há um só entre eles capaz de sustentar o suposto crime de responsabilidade fiscal a ela atribuído. A incapacidade em defender a condenação se deve ao fato de que, hoje, os interesses particulares de banqueiros, rentistas e grandes empresários não precisam mais ser escondidos. Há um consenso de que se tratou de um impeachment promovido por um Congresso completamente sem moral, cujos parlamentares receberam verbas polpudas, para suas campanhas, em troca de fazer passar, de forma célere, as reformas trabalhista e previdenciária. Foi ao lado desses políticos, sabidamente envolvidos em escândalos de corrupção e protegidos por seus pares, que os falsos moralistas marcharam. Estavam tão orgulhosos com suas camisas da CBF – entidade que está na mira da Justiça norte-americana por suspeita de envolvimento em uma série de crimes financeiros – que nem perceberam estar assumindo o papel de meros capitães do mato.

Não espanta que, agora, defendam o direito de seus Senhores receberem todo tipo de privilégios. Quem pertence à Casa Grande acha que não deve satisfação aos ocupantes da senzala. Essa é uma lógica histórica, naturalizada pelos juízes e procuradores da Lava-Jato, que recebem mais de R$ 4 mil reais de auxílio-moradia, mesmo possuindo imóveis próprios nas localidades onde residem. Marcelo Bretas, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol se apegam ao poder da Lei para justificar a imoralidade de receberem tal benefício em um país no qual cerca de 25 milhões de pessoas possuem renda familiar de apenas R$ 387 reais. Os capitães do mato, do século XXI, são falsos moralistas convictos que tentam, ao máximo, assemelharem-se aos seus soberanos. Por isso, é preciso ter cuidado! Quando percebem que estão caindo em contradição costumam ficar violentos. Não contra os nobres magistrados, é claro. Mas contra os que, escravizados pela lógica do capital, acabam por sustentar os privilégios da alta magistratura.

Sempre foi assim. É um ódio projetivo. Um ódio de si mesmo. Um ódio de tudo que possa, de alguma forma, se assemelhar ao que o caracteriza na sociedade em que vive. Não pertencem à Casa Grande, mas, agora, também não são bem-vindos na senzala. Ficaram no meio do caminho. Desesperados, resumem-se a tentar defender os interesses dos seus Senhores atacando, mesmo sem nenhum tipo de coerência, os que estão mais próximos da sua realidade social. Perdidos na defesa da imoralidade, travestida de justiça, só encontram algum sentido se puderem tentar açoitar os que vivem na senzala. Pensam ser um castigo a mais dizer que “Lula foi condenado”. Mas ficam surpresos em ver que esse discurso não surte efeito; afinal, os escravos sentem onde verdadeiramente apertam os grilhões. Sabem que nada está sendo feito para combater a sistemática com a qual opera a corrupção, no Brasil, nem para atacar os privilégios das classes política, jurídica e militar. Quem vive na senzala não defende os privilégios dos ocupantes da Casa Grande. De tanto apanhar, consegue compreender que todos estamos sendo condenados, inclusive os capitães do mato.

(*) Eduardo Silveira de Menezes atua como jornalista no Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região. É doutor em Letras – com ênfase em análise do discurso midiático e político – pela UCPel e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: dudumenezes@gmail.com

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